por Izaías Almada
Muitos artigos, depoimentos, lembranças e até mesmo novas revelações e denúncias preenchem esses dias os blogs, sites, jornais e revistas da esquerda brasileira e não só, com referências ao nefasto golpe civil/militar de abril 1964 no Brasil. Golpe de estado, como tantos outros naquela época e particularmente na América Latina, induzidos, apoiados e sustentados pelo governo dos Estados Unidos com sua paranoia de polícia do mundo.
Insisto em utilizar a terminologia “golpe civil/militar”, pois há uma tendência, consciente ou não, em definir a ruptura da legalidade no Brasil em 64/68 como apenas uma quartelada militar. Na verdade, essa quartelada efetuada por um grupo de militares na altura é o lado, talvez, mais aparente do iceberg, mas por debaixo do movimento de tropas nas ruas, um aparatoso e gigantesco esquema econômico negociado em escritórios de grandes empresas brasileiras e multinacionais, com malas cheias de dinheiro, ajudou a facilitar as coisas para aqueles que ainda não tinham muita convicção na vitória golpista. Ou cuja convicção ideológica e organização políticas não eram suficientemente fortes para defenderem o governo de João Goulart.
Passados 47 anos é possível ver e avaliar com maior clareza aquele período. Até porque muitos dos personagens envolvidos nos dois lados do conflito já deram testemunhos de parte daquilo que se passou, em especial alguns documentos desclassificados pelo Departamento de Estado norte americano ou entrevistas de ex-ditadores como Geisel, Médici, Figueiredo e outros menos votados, sendo possível ver como nesses momentos funcionam a propaganda, a contrainformação e a venalidade de uma imprensa dócil, servil e impatriótica.
Ecos daquele movimento continuam refratários a uma sociedade brasileira verdadeiramente democrática, quer em documentos de empedernidos e pequenos grupos militares, mas também nos comentários de analistas saudosos da quartelada e de uma sociedade civil que continua com sua boa dose de hipocrisia, aquela mesma hipocrisia que se calou durante vinte anos diante das prisões, torturas e desaparecimentos de cidadãos brasileiros que combateram o regime repressivo e ditatorial.
A recente campanha eleitoral que levou a candidata Dilma Rousseff à presidência da nação deixou à mostra as garras de um fascismo não tão adormecido assim. Não foi difícil identificar, nos vários setores civis da sociedade brasileira contemporânea, seja nos poderes executivo, legislativo e judiciário, e vários de seus porta-vozes nos meios de comunicação, a irresistível e subliminar tentação de quebra da legalidade. E pelo visto dessa vez os novos militares brasileiros não se sensibilizaram com os cantos das sereias entreguistas e antidemocráticas.
Não se deve isentar moral e ideologicamente os civis que fundamentaram o golpe e o sustentaram economicamente, inclusive com o perverso e criminoso financiamento de centros clandestinos de prisão e torturas. A revisão e denúncia da hipocrisia de certo cinismo civil é também tarefa indispensável na construção da democracia brasileira.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).
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