Por luisnassif, 25/04/2011
Joachin Koelreutter dizia que o mundo é como uma espiral: sempre se
volta ao mesmo ponto, mas alguns degraus acima.
Passei a enxergar melhor o Brasil quando entendi essa lógica, que move
a política e a economia.
Começou lá pelos idos de 1994. Incomodado com pacotes econômicos e com
o papel de demiurgos, atribuídos aos economistas, fui buscar a chave
da questão no livro "América Latina, males de origem", de Manoel
Bonfim. Mesmo sem conhecimentos financeiros mais aprofundados, ele
discorre sobre o pós-Encilhamento, mostra o papel do "financista" na
definição da ideologia, do suposto interesse nacional, a maneira como
consegue desviar o foco dos problemas reais e como a "solução"
proposta preserva interesses dos grupos políticos em detrimento dos
fatores de desenvolvimento nacional..
Mais tarde, já nos anos 2.000, resolvi ir mais a fundo para entender o
papel que FHC se outorgava, de ser um novo Campo Salles. Depois da
lambança do Encilhamento (uma farra monetária conduzida por Rui
Barbosa), coube a Campos Salles salvar o modelo financista, no qual
se consolidava o pacto político entre o capital financeiro paulista
(com base no café) e a banca internacional. Trouxe avanços, mas
subordinou o país a uma lógica que, com o tempo, tornou-se
disfuncional.
Dessas análises surgiu o livro "Os Cabeças de Planilha", mostrando as
semelhanças entre ambos os momentos e como Gustavo Franco e os
economistas do Real aplicaram as lições de Rui para instituir uma nova
ordem econômico-financista no país.
Nas pesquisas da época, encontrei o trabalho "Federalismo desigual,
políticas cafeeiras e equilíbrio espacial paretiano", de Olimpio J. De
Arroxelas Galvão, do Departamento de Economia da Universidade Federal
de Pernambuco.
Fui reler o estudo, agora. É trabalho fundamental para entender as
características do federalismo brasileiro, o papel de São Paulo na
política econômica, os efeitos não apenas na modernização do país, mas
na consolidação das diferenças regionais e também as semelhanças entre
as estratégias de Vargas e de Lula em relação ao poder paulista.
Há apenas um senão, fruto das mudanças ocorridas no país no período.
Antes, São Paulo confundia-se com a cafeicultura. Não havia nenhum
outro setor disputando a hegemonia do café.
Nos anos 90, há o conflito claro entre o capital industrial e o
capital financeiro. Então, onde se lia interesse paulista hoje se lê
interesse do capital financeiro que passou a ter como principal
representante o PSDB de FHC.
A lógica descrita por Galvão é clara:
Papel de São Paulo no governo federal
São Paulo não ambicionava cargos no governo federal, empregos ou
coisas do gênero. Fazia questão apenas de definir as áreas fiscal,
financeira, cambial e monetária, através do controle dos Ministérios
da Fazenda e da Agricultura. Além da própria Presidência, é claro.
O que fosse de interesse paulista era tratado como tema de interesse
nacional. Demandas estaduais ou regionais, fora de São Paulo ou do
sudesteeram taxadas de "impatrióticas".
Esse modelo se reproduz à perfeição tanto no período de fechamento
econômico dos anos 80 quanto no período mercadista dos anos 90 e 2000
– ainda já não se podendo falar especificamente de "interesses
paulistas", mas sim de interesses financistas. Gastos sociais são
tratados como desperdício, demoniza-se o desperdício do Estado,
criticam-se políticas regionais. Mas se aceitam com naturalidade taxas
de juros exorbitantes e câmbio apreciado, como se fossem parte
integrante do interesse nacional.
Papel da mídia
Desde aquela época, papel relevante era o da mídia. É ela quem ajuda
a consolidar a ideia de que os interesses da cafeicultura representam
o interesse nacional.
"Montenegro (1959), ao confrontar a posição, na Federação, dos estados
do Norte e do Nordeste com os do "Sul", refere-se ao fato de que,
durante os anos 20, quando a Presidência da República fora ocupada por
um político nordestino, enquanto a imprensa do Sudeste lançava
vigorosa campanha contra os dispêndios federais no Nordeste para
aliviar os efeitos do flagelo das secas, essa mesma imprensa defendia
com veemência as ações do mesmo presidente, quando se tratava das
políticas de defesa do café".
Guerra fiscal
A Constituição republicana descentralizou fortemente as receitas,
repassando aos estados tributos anteriormente da União, especialmente
o imposto sobre exportações, o mais relevante. Acontece que esse
imposto beneficiava mais os estados mais fortes e mais exportadores,
em detrimento dos mais fracos.
A Constituinte da Nova República, muito por influência de José Serra,
deu prioridade aos impostos sobre produtos na origem. No caso de
petróleo, transferiu o ICMS para os estados consumidores.
Em ambos os casos, depois de ter perdido tributos, a União criou
outros sobre uma série de bens de consumo, reduzindo a capacidade dos
estados mais pobres de alargarem sua base tributária. A saída desses
estados foi atropelar a Constituição e cobrar imposto de importação de
produtos adquiridos em outros estados.
Qualquer semelhança com a colcha tributária atual e o papel do Confaz
(Conselho de Política Fazendária, que reúne todos os secretários de
fazenda estaduais, não é mera coincidência).
A representação política
Na Câmara e Senado a representação política dos estados mais pobres
era majoritária. Mas a desunião das bancadas regionais impedir efetivo
poder às bancadas majoritárias em relação às grandes decisões
nacionais.
"Na verdade, a região Sudeste configura um caso clássico de como o
controle do aparelho do estado por um grupo social viesou as políticas
econômicas nacionais e distorceu o processo de alocação de recursos em
favor desses grupos, terminando por beneficiar, mais que
proporcionalmente, uma seção do território nacional".
A perda da racionalidade das medidas de proteção
Um dos tópicos mais interessantes é a descrição, inicialmente, da
lógica que levou às medidas de apoio à cafeicultura. Depois, a maneira
como os benefícios permanecem, mesmo desobedecendo à lógica original.
A política de retenção do café se deveu ao excesso de oferta do café
brasileiro, deprimindo as cotações internacionais. Tinha duas pernas.
Em uma, o governo federal tratava de comprar os estoques excedentes e
destruí-los. Na outra, os governos estaduais tratariam de impedir a
ampliação da produção.
"Taunay também registra a fantástica expansão da produção de café no
Brasil em curto espaço de tempo. Diz ele que, apenas entre 1890 e
1902, a produção cresceu de 4 para 15 milhões de sacas, e que em 1906,
ao alcançarem 22 milhões de sacas, os excedentes brasileiros de
produção já representavam um total de 16 milhões de sacas, em relação
ao consumo mundial". Nesse período, o país respondia por 76% de todo
mercado internacional de café.
Aí se criou o círculo vicioso. Podia-se produzir à vontade que havia
mercado garantido (o governo comprando e destruindo estoques), a um
custo bancado por todo o país.
Em relatório de 1913, o governo paulista dizia-se "alarmado com o
considerável avanço dos novos plantios" no estado.
"Entre 1908 e 1915, quatro empréstimos no exterior, no montante de £
40,7 milhões da época, foram contratados para se somarem aos recursos
do Tesouro Nacional, com vistas à manutenção do esquema de valorização
— alguns desses empréstimos sendo contraídos pelos estados produtores,
outros diretamente pelo governo federal, todos, porém, contando com a
garantia integral do governo brasileiro"
A superprodução tornou-se permanente no setor. De "1931 a 1937,
aproximadamente 200 milhões de sacas de café consideradas na época
não-comercializáveis a preços satisfatórios para os produtores haviam
sido compradas pelo governo (Carone, 1978, p. 27-28; Maia Gomes, 1986,
p. 171). "
"Diz esse autor (Taunay) ainda que, por volta da Grande Depressão,
quando os preços do café caíram a níveis muito baixos, havia 10 vezes
mais árvores em produção no oeste paulista do que em 1866 (Holloway,
1980, p. 26)".
É a mesma lógica que sustenta a política monetária e cambial desde
1994. Nos primeiros meses do Real havia o objetivo de usar o câmbio e
juros estratosféricos para estabilizar a inflação (no meu livro mostro
que não era apenas isso). Com o tempo, permanecem as taxas irreais,
mesmo atropelando qualquer análise fundada no bom senso. O custo é
enorme. Mas ajuda a capitalizar novos grupos que produzem uma nova
dinâmica na economia. E como na história é difícil estimar o que
poderia ter sido, no futuro poucos se lembrarão do preço pago pelo
país, na forma de redução do desenvolvimento, do atraso na formação de
um novo mercado de consumo.
A benevolência dos de fora
Entre 1920 e 1945 houve apenas dois presidentes não originados de
países produtores. Foi justamente nesses dois períodos que se
avançaram em mais favores ainda ao café.
Na presidência do nordestino Epitácio Pessoa o programa de
valorização do café tornou-se permanente.
No período de Vargas (31/44) foi tomada a decisão final de destruir
parte dos excedentes. 80 milhões de sacas foram jogadas ao mar ou
queimada. Somente a parte incinerada representava mais de três anos de
consumo mundial. Além disso, cancelou metade das dívidas totais dos
fazendeiros junto aos bancos.
O governo Lula manteve o Banco Central a serviço do sistema
financeiro, inclusive provocando a revalorização do real nos dois
momentos decisivos, em que teve oportunidade de segurar o câmbio
competitivo - em 2003 e 2008.
Foi o preço pago por ambos os governos para ganhar condições de
governabilidade e implementar as demais políticas sociais e
econômicas.
O custo da política
Pelos cálculos do autor, "considerando-se o preço médio de 50 centavos
de dólar norte-americano por libra-peso do café em grão, que vigorou
na década de 1950 (a década seguinte ao término da fase de destruição
do café), os valores correspondentes aos 200 milhões de sacas
comprados pelo governo ao longo dos anos 30 (na verdade, apenas no
período de 1931 a 1937) e dos 80 milhões de sacas destruídos durante
as décadas de 1930 e 1940 são, respectivamente, US$ 13,2 e US$ 5,3
bilhões".
Comparando com outros investimentos fundamentais:
(1) o total dos investimentos estimados, tanto governamentais quanto
privados, para a execução do Plano de Metas do Governo Juscelino
Kubistchek, durante o período de 1957 a 1961, era de US$ 6,9 bilhões
correntes (Lessa, 1975). Incluía química pesada, usinas siderúrgicas
integradas, estaleiros navais e a implantação da indústria
automobilística (a ser instalada com capital estrangeiro, mas cujos
investimentos requeridos estavam computados nos US$ 6,9 bilhões do
Plano); para a realização de um ousado programa de infra-estrutura, a
ser executado em todo o país, que compreendia uma substancial expansão
da produção de energia hidrelétrica, amodernização e expansão da rede
ferroviária e a pavimentação e construção de milhares de quilômetros
de rodovias federais; e, finalmente, para a construção de Brasília.
(2) a entrada total de investimentos diretos no Brasil, durante o
período de 1947 a 1961, foi de US$ 2,1 bilhões (Baer, 1965). Uma
comparação com essa cifra tem especial relevância, considerando-se que
o referido período coincidiu com uma expressiva "internacionalização"
da economia brasileira.
Os benefícios da política cafeeira
O trabalho reconhece os efeitos da política de retenção do café, que
impediu a queda dos preços internacionais. Mostra, inclusive – citando
Celso Furtado – que seu aprofundamento, nos anos 30, fez o Brasil sair
da recessão antes de outras economias.
Além disso, os recursos da cafeicultura permitiram a formação do maior
complexo comercial, industrial e financeiro da América Latina.
"A cafeicultura deu margem ao surgimento de uma classe diversificada
de empresários, na medida em que muitos fazendeiros do café se
tornaram grandes comerciantes, grandes industriais e grandes
banqueiros. Por ter gerado altos níveis de demanda para bens
produzidos no mercado interno, a atividade cafeeira também propiciou
fortes estímulos para todos os segmentos da economia, sendo
responsável pela geração de um vigoroso processo de industrialização
na região Sudeste".
Os setores órfãos
É complicado analisar a história sob a ótica do que "poderia ter sido".
Mas em 1891 foi assinado um tratado de comércio entre Brasil e EUA
garantindo mercado para o café brasileiro em troca de regime especial
de tributação para grãos e produtos manufaturados norte-americanos.
Houve protestos da Associação Comercial de Porto Alegre e das colônias
alemãs e italianas do interior do estado.
Este autor (Levine) acrescenta que "a Associação de plantadores de
cana exigia proteção tarifária e subsídios na mesma modalidade
concedida pelos programas de valorização do café, mas que seus pleitos
nunca conseguiram ganhar a simpatia federal" (idem, p. 230). Levine
ainda assinala que os pequenos estados "lutavam anos a fio para obter
melhores infra-estruturas de ferrovias e portos, menores tarifas de
fretes e uma maior fração dos recursos orçamentários do Governo
Federal" e conclui argumentando que "sob a Velha República, poucas
reivindicações por assistência da parte dos estados mais fracos eram
atendidas" (ibidem, p. 167).
Só dava café. Mesmo o açúcar, cultura em que o Brasil tinha condições
de competitividade, logrou obter condições favoráveis para se
expandir.
Conclusão
Mais um conjunto relevante de evidências mostrando como certas
caracterísitcas históricas se repetem indefinidamente. Em todos esses
momentos, o controle da opinião pública era o principal instrumento
para a consolidação das novas ideias. E aí sobressaía o papel da velha
mídia, mesmo em momentos históricos em que o percentual de
alfabetizados era mínimo.
Também contava o fato de que a nova ideologia vinha amparada no
suposto conhecimento superior dos financistas que tinham acesso 'as
novas teorias internacionais. Para um país fechado em si mesmo, era um
diferencial extraordinário. O processo de endeusamento dos economistas
do Cruzado e do Real é em tudo similar ao dos financistas de Campos
Salles e Joaquim Murtinho.
Hoje em dia, com as informações expandindo, com o fim do controle
absoluto da opinião, o país tenderá cada vez mais a sair dessa
armadilha do pensamento único.
federalismo_desigual.pdf
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/politica-economica-e-o-alibi-do-interesse-nacional#more
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Postado por Walter no EngajArte
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