domingo, 17 de abril de 2011

Cobertura da Globo ao massacre na Escola do Realengo motiva de nota de repúdio da Defensoria Pública da União

A nota de repúdio, assinada pelo Defensor Público Federal Ricardo Emílio Pereira Salviano, Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, resgata a esperança daqueles que não aceitam mais a manipulação midiática e a falta de compromisso com a sociedade dos barões da mídia nacional. Segundo a nota:

Diante do fatídico evento ocorrido naquela escola municipal, verifica-se que a divulgação do vídeo feito pelo autor do delito em horário nobre pela emissora de televisão Rede Globo afronta a ética profissional e enseja a responsabilização civil devido ao dano moral coletivo gerado pelo agravamento do dano psicológico já suportado pelas vítimas. O trauma advindo do abalo emocional dessas pessoas foi acentuado sobremaneira pelo temor provocado pela exposição das declarações, ainda que insanas, do delinquente esquizofrênico.

A gravidade e a repulsividade da ofensa é notória e causa perplexidade justamente pela insensibilidade da imprensa na abordagem da matéria jornalística. De certa maneira, a imprensa foi usada pelo autor do delito para a difusão da temeridade no meio social. O que nos faz refletir sobre diferentes questões. Quem não se sente amedrontado com a possibilidade de um novo surto psicótico de um esquizofrênico? A exposição dos motivos e das razões que o levaram a praticar o crime não aumenta a sensação de insegurança da população? Não seria essa a verdadeira intenção do mentor do fato delituoso? A imprensa contribuiu de certa forma para a instalação do caos e do pavor nos cidadãos? Isso prejudica a recuperação e o desenvolvimento das pessoas diretamente envolvidas na tragédia? A exposição do vídeo não dificultará a recuperação das pessoas envolvidas no massacre, sobretudo considerando os efeitos de ordem psicológica? Houve comportamento aético da imprensa, em virtude da divulgação do vídeo, capaz de ensejar a responsabilização civil pelos danos daí advindos?

É inegável que tal conduta aética e imoral maximiza a dor e o sofrimento das vítimas e de seus familiares, que são obrigados a suportar os efeitos nefastos, especialmente de ordem psicológica, causados pela exposição do referido vídeo pela imprensa. Fato que denota verdadeiro descaso com as crianças e os adolescentes envolvidos no evento trágico, pois é evidente que a divulgação potencializa o abalo psicológico e o temor sofridos por essas pessoas. Isso sem mencionar a possibilidade do efeito multiplicador decorrente da influência gerada pelo criminoso sobre outras pessoas esquizofrênicas, o que afeta a segurança de todos os cidadãos.

Ademais, as crianças e adolescente têm absoluta prioridade na observância de seus direitos, conforme se extrai do art. 227 da Constituição Federal, a saber: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Por tais motivos é que a referida matéria jornalística divulgada pela Rede Globo de TV em que o autor do delito apresenta os motivos e as razões que o induziram a praticar o crime merece ser repudiada, haja vista que certamente agravou ainda mais o sofrimento e a dor das vítimas e de seus familiares, justamente pelo fato de impor a temeridade e o pavor nessas pessoas, sem considerar o estímulo decorrente do poder de convencimento que as declarações podem causar em pessoas doentias.

É fato que outros veículos de comunicação e outras emissoras replicaram o vídeo, agindo também de forma irresponsável. Ocorre que a iniciativa partiu justamente da emissora de televisão com maior audiência no país em horário nobre. A Rede Globo de TV, concessionária de um serviço público federal, que deve prezar pelo interesse coletivo, agiu com total descaso com o sofrimento das pessoas envolvidas na tragédia pelo fato de ter realizado a divulgação do vídeo, sem se ater com a preocupação social de resguardar o pleno desenvolvimento psicológico das vítimas, condizente com uma vida digna e saudável.

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