Está em discussão no Brasil o modo como tratamos as florestas e rios, ambos bens naturais que temos em abundância, por enquanto. A votação de um novo Código Florestal no Congresso Nacional, porém, pode tornar irreversível a destruição, resultado de cinco séculos de colonização e uso predatório de uma generosa e extremamente diversa natureza, de que somos encarregados de cuidar para a humanidade inteira como povo.
Acompanhando os debates e posições, no Congresso e pelos jornais, o que mais chama a atenção é como nós, brasileiros e brasileiras “dos quatro costados” (no bom gauchês), tratamos a questão. Parece que isto é um problema do agronegócio e da agricultura familiar. Com concessões, é também de indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas, quilombolas. Como estes últimos são poucos, muito poucos, não contam. Será que não? Quem conserva a fundamental biodiversidade para a sobrevivência do planeta? O agronegócio conserva 7 grãos e seus derivados. Como nos lembra o canadense Pat Mooney (em palestra no Fórum Social Mundial, em Dacar, Senegal, em fevereiro de 2011), os deixados de lado conservam 7 mil sementes, o fundamental da biodiversidade para a sobrevivência da vida humana no Planeta Terra. Na verdade, os deixados de lado, que dependem de florestas e rios, nunca contaram em nosso país acostumado ao extrativismo desenfreado, herança de um colonialismo predador, que até hoje nos torna dependentes do uso sem limites dos recursos naturais. Haja vista a Vale que está transferindo a montanha de Carajás para a China, com grande eficiência segundo parâmetros de mercado! Afinal, de que importa um Código Florestal assim ou assado?
Não temos em nossa cultura política, até aqui, uma reflexão central sobre bens comuns naturais. Não vemos a natureza como um dom, uma dádiva a usar em nosso proveito sem esquecer que não fomos nós que criamos tal bem e que ele é a base natural, também fundamental, para futuras gerações. Não podemos privá-las disto. Pior, não pensamos, nunca pensamos, se pode existir vida sem biosfera. Alguém pode indicar uma reflexão política consistente no Brasil sobre bens comuns naturais, indispensáveis à vida, com impacto em nossas opções de política de desenvolvimento econômico?
As florestas e rios como bem comum para nós e futuras gerações, para nós que nascemos neste país “abençoado por Deus e bonito por natureza” e para humanidade inteira – sim, para todos e todas que vivem no Planeta Terra! –, são a grande questão no debate sobre o Código Florestal Brasileiro. Isto não é, definitivamente, um embate entre agronegócio e agricultura familiar. Mas a ameaça maior na definição sobre que Código Florestal adotar é pender para o lado do agronegócio. Parece que nossos congressistas nunca passaram pela Via Dutra, o berço do café. Aquelas terras peladas, destruídas, são produtos de uma lógica de uso dos recursos naturais em ritmo acelerado, em 25 a 30 anos. As reservas de terras para o café pareciam intermináveis, café com base no trabalho escravo e na destruição da Mata Atlântica, deixando como herança extensivas fazendas de boi e um rio, o Paraíba do Sul, quase morto. Hoje, com outras culturas, mais ainda com o velho café e a velha cana de açúcar, continuamos na mesma lógica, com mais agressividade, avançando sobre o Cerrado, o Pantanal e Amazônia.
Florestas e Rios são interligados e deles depende o próprio clima. Para viver precisamos destes sistemas naturais. Eles são um bem comum fundamental para a vida. Claro, para extrair nossos alimentos e outros bens necessários para o estilo de vida que levamos, precisamos usá-los. Usar responsável e sustentavelmente é a questão. Ou seja, de forma regenerativa, nos limites da recuperação da integridade da natureza. Não podemos partir da visão estreita do direito à propriedade privada da terra e da liberdade de proprietários decidirem o uso que podem fazer das terras que, na verdade, a sociedade lhes concedeu como usufruto. No fundo do debate está o próprio debate sobre propriedade privada e o que é bem comum, um tabu na cultura política brasileira. Afinal, a propriedade privada, especialmente de terra, gado e gente, é uma espécie de certidão de nascimento da sociedade brasileira. A propriedade da terra esteve e está acima de qualquer direito, até hoje. É a matriz da desigualdade social e se espraia nas outras formas de propriedade excludentes. Está acima dos direitos humanos, acima da própria vida. Alguém conhece proprietário de terras preso por matar alguém que pôs em questão o seu supremo direito privado?
O fato é que não podemos ver o debate sobre o Código Florestal a partir da propriedade da terra, um privilégio de alguns, muitos poucos, por sinal, se olharmos o tamanho da população brasileira atual. Porém, rio e florestas impactam na vida de todos. Estamos diante de uma questão que envolve sustentabilidade da vida e não somente a prosperidade e o tamanho dos negócios agrícolas. Será que os poucos, muito poucos, interesses ligados ao agronegócio são a grande base financeira das campanhas de nossos deputados? Terão eles dignidade de pensar no bem comum e na sua preservação?
Um comentário:
Não reproduzi esse artigo em meu blog porque o autor dá uma escorregada inadimissível ao dizer que nossas florestas e rios não nos pertencem; e sim, a humanidade.
Isso é o que o Consenso de Washington, Ronald Regan, Margareth Tatcher e etc. diziam: a Amazônia não é do Brasil; é do mundo.
Definitivamente não é este o caminho!
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