quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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Cracatoa Simplesmente Sumiu

Ela era Elvis Presley
Posted: 26 Aug 2008 07:52 PM CDT
Ela deu a seta para a direita e entrou na lanchonete. Ao sair da estrada, as rodas levantaram uma nuvem de poeira do chão seco.
Queria um hamburguer.
- Serve pastel? - disse a balconista com uma cara e uma voz engorduradas.
Pensou que Elvis não deveria nunca na vida ter que comer pastel. Tudo bem. Que fosse o pastel. E Coca-cola caçulinha. Comeu enquanto olhava um pouco para o movimento da estrada, um pouco para os cartazes com propaganda de cerveja. Pediu mais um. Comeu. Finalmente, limpou a boca. Levantou, tirou o pente do bolso de trás e ajeitou os cabelos, o topete e as costeletas falsas, no reflexo do vidro onde coxinhas e outros salgados estavam expostos. Pagou e procurou as chaves no bolso para seguir viagem.
Aquele Variant bege não era exatamente o que pretendia para sua fuga. Nos seus sonhos, imaginava-se em um Cadillac conversível vermelho. Conversível não. O vento poderia estragar o topete. E as costeletas falsas.
Aos vinte anos, ligou novamente o motor. Aos vinte anos, pois dali vinte minutos, às quatro e quarenta e cinco da tarde, teria vinte e um.
Então, ainda aos vinte anos, ligou o motor novamente. Aos vinte anos, tudo o que ela queria era ser Elvis Presley. Provavelmente, aos vinte um, continuaria a querer. Pois era isso o que se passava em sua cabeça, não todo o tempo, mas pelo menos várias vezes ao dia, desde que aos oito anos vira a foto do cantor em um poster na casa de uma tia. E, essas coisas de querer ser Elvis Presley não mudam assim. Não em vinte anos, não em vinte minutos.
Havia alguns problemas nisso, porém.
Ela nasceu em uma cidade do interior chamada Astorga. No Paraná, Sul do Brasil. Nada contra as cidades do interior. Mas Elvis, no século 21, já não era muito popular por ali. Muito difícil conseguir CDs, filmes e outros tipos de material sobre ele. O que lhe dava uma crônica sensação de amnésia. Não bastasse, isso, ela era mulher. E, até onde se sabe, o cantor era homem.
Mas o mais sério é que ela não queria ser uma imitadora ou um imitador de Elvis simplesmente. Ela queria ser o Elvis Presley. O próprio.
É fácil imaginar todos os problemas que ela conseguiu com os irmãos, com os pais e com as vizinhas faladeiras por conta disso. Daí a fuga. Roubou o Variant bege e sem graça que nunca esteve nos seus sonhos e, no dia de seu aniversário, decidiu que, de um jeito ou de outro, voltaria para casa - ou seja, Graceland, em Memphis, Tennessee. Voltaria ainda naquele ano.
Quinze minutos depois de ter retornado para o asfalto, um dos pneus furou. Parou no acostamento, puxou o freio de mão e arrumou o topete e as costeletas falsas no retrovisor.
Desceu do carro, abriu o porta malas e, surpresa, não havia estepe.
Paciente, começou a tirar o pneu furado para esperar que passasse alguém disposto a ajudar um cantor sem estepe. Mas depois pensou que aquilo não seria uma boa idéia. Não sabia nem se aquele pneu era do tipo com câmara, que nem se fabrica mais ou se era do tipo sem. Ela era um cantor. Famoso. Não tinha conhecimentos sobre essas coisas. Não devia nem ter tido o trabalho de usar o macaco e as ferramentas. Aquilo não era para ela. Resolveu agir como o Elvis Presley, que era, e colocou-se com a mala e o estojo preto do violão algumas dezenas de metros à frente para pedir carona. O plano era ir para Curitiba e, de lá, para os Estados Unidos. De um jeito ou de outro.
Demorou uns vinte minutos para que um carro parasse.
Era dirigido por outra garota.
- Você também está fugindo? Parece estar… - a garota perguntou, com cabelos loiros - como o campo pronto para a colheita dos dois lados da rodovia, e sem costeletas falsas.
Ela fazia o tipo caladão. Mas respondeu que sim. Que diabos tinha aquela região que todos estavam fugindo? Quem a garota pensava que era? Marylin Monroe?
- Meu nome é Mary. Digo, Maria Helena, mas me chamam de Mary. E o seu nome qual é?
- Elvis.
- Que nome estranho para uma garota.
Isso. As pessoas não entendiam mesmo. Talvez nunca entendessem.
- Sabe, Elvis. Eu gostei de você. Esse seu cabelo, esse seu jeito. Deve ser moda ou coisa assim, certo? Você é quieta mesmo, não?
- Eu sei cantar… digo, eu prefiro cantar…
- Você canta? Que lindo!
- Posso cantar pra você. Quer ouvir?
- Claro! Eu adoraria…
Poucas pessoas tinham disposição para ouvir alguém próximo a elas cantar. A maioria acreditava que cantar, cantar mesmo só aqueles que estavam no rádio ou apareciam na tevê. Os outros, os conhecidos, filhos, parentes, vizinhos, davam dor de barriga e outros males.
- Ok. Depois. Quando nos separarmos em Curitiba.
Em uma viagem longa, sem rádio, as pessoas costumam conversar sobre várias coisas. Sobre cachorros, sobre a paisagem, sobre as comidas preferidas, banalidades, coisas agradáveis. Evitam, de fato, falar sobre problemas e sobre o que as levou a estar ali em fuga. O fato é que às vezes é preciso muito pouco para as pessoas se sentirem próximas. Pouco tempo, pouco assunto, poucos motivos. Às vezes basta que elas sejam a única coisa que se tem naquele instante. Mary, por assim dizer, foi o presente de 21 anos de Elvis Presley. Até então ela era um cara solitário.
Chegaram na cidade à noite. Pegaria já um ônibus para São Paulo e, lá, faria apresentações em bares para comprar sua passagem de avião.
Na rodoviária, a garota parou o carro para ela descer.
- Ei, espera. Você prometeu cantar uma canção pra mim.
Ela tirou o violão do estojo, afinou rapidamente e quando ia começar…
- O que você vai tocar?
- Uma minha.
Tocou Love me tender. Uma parceria dela com Vera Matson.
- Que lindo… sabe… ninguém nunca tocou nada assim pra mim antes…
E, ao final, na hora de se despedir, trocaram um beijo, não no rosto, mas doce, longa e inesperadamente na boca.
Pois em uma viagem longa, sem rádio, sobre várias coisas duas pessoas sozinhas conversam entre si, mas muitas vezes evitam falar sobre os problemas que as levou a estar ali, em fuga.
Mary sabia que nunca mais veria Elvis. Mas não imaginava que lembrança deixar com ela. Por isso, sem maiores explicações deu-lhe a chave da casa para onde não mais voltaria. Finalmente, despediram-se com um último beijo.
O carro acelerou e, novamente só e sem olhar para trás, ela foi em direção ao guichê da companhia de ônibus.
Ela não sabia que Graceland agora era um museu. Nem das dificuldades de se conseguir um visto para os Estados Unidos. Sequer o preço de uma passagem de avião para lá ou se, em São Paulo, conseguiria se apresentar e ser bem paga para comprar uma.
A única coisa que tinha agora era a chave que, em seu bolso, espremia entre os dedos como quem aperta uma certeza. Ela estava certa de que, quando chegasse à porta de seu destino, a enfiaria na fechadura. E em Elvis não havia dúvida de que o tambor, silenciosamente, iria girar e, então, lhe dar passagem.
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Ela era Elvis Presley

A chuva, o sol, as pessoas
Posted: 26 Aug 2008 07:44 PM CDT
A chuva cai e cai para todos. O sol brilha e é para todas as pessoas que ele brilha. Coisas simples essas. Verdades cotidianas. Banalidades.
E, se eu dissesse para este que agora passa por mim para que olhe, olhe para a chuva e para de onde ela vem, lá do céu, daquela nuvem, daquela massa compacta e cinza de vapor, ele riria. O banal é risível quando apresentado como algo formidável.
E, para esta senhora, se eu apresentasse estendendo o braço, em um gesto premeditadamente teatral, o astro que, agora, fura a esfera nublada com seus raios, certamente ela acharia que eu fiquei louco. Afinal, é apenas o sol. E o sol é o sol, oras bolas. Tem sido o sol há alguns milhões de anos e assim será por mais alguns.
A certos pedestres a chuva entristece e o sol alegra. Para a maioria. Para outros, o contrário. O sol deprime e a chuva anima. Uma minoria.
Assim somos no breve período em que mantemos nossos pés solidamente sobre o planeta. Certas reações são tão previsíveis que dão dó. Quando se chega a alguma conclusão a esse respeito e decide-se reagir diferente do que todos esperavam, algo acontece.
- Vou fazer isso, pois eles imaginam que eu faria aquilo - diz o mocinho do filme, aquele que eu queria ser quando crescesse.
O olhar pousa com mais calma sobre si mesmo, mas como faria um bovino a se contemplar refletido na água que beberá a seguir, esquece rapidamente das questões anteriores e tudo acontece nos conformes. A orquestra segue a partitura. E o bovino entretido com a água que agora sorve esquece dos dias que passaram e nem pensa nos que virão.
Mas falo da chuva e do sol e das pessoas que encontro na rua porque tenho sido tomado por uma ansiedade, um sentimento que não chega a ser ruim de todo, e não é, pois seu movimento inicial vem de algo bom. Como se, no primeiro lance do jogo de xadrez, o jogador pudesse prever o final.
Diversas vezes eu fui ao cinema e em quantas dessas vezes lamentei ter ido sozinho, pois o filme era muito bom. Saía com aquela sensação, com aquela vontade de que todos o vissem e como um fanático passava a recomendá-lo a quem quer que encontrasse.
Uns iriam vê-lo e não gostariam, outros nem se dariam ao trabalho e outros ainda veriam e sairiam do escuro felizes. Certas amores são uma questão de fé.
Por isso, passei a recomendar, em vez de a quem quer que encontrasse, apenas para aqueles de quem eu mais gostava. E, como um evangelista, levava as boas novas somente a esses. Certos amores são uma questão de egoísmo. É preciso se preservar.
Porém, acabei mudando de assunto.
Eu olho para a chuva, olho para o sol e, sobretudo, olho para as pessoas nas ruas. E tenho isso, essa ansiedade. Que se resume a uma frase.
Eu gostaria muito que cada uma delas encontrasse em alguém aquilo que eu encontrei em você.
E, se eu segurasse a cada uma delas pelos ombros e olhasse em seus olhos e afirmasse o quanto isso é verdadeiro, muitas iriam pensar:
- Mais um.
Não. Não sou mais um. Assim como essa chuva que cai agora não é apenas mais uma chuva e esse sol não é o mesmo sol de há um milhão de anos.
Certos amores são como o amigo invisível dos filmes, que só você vê e, assim que um estranho se aproxima, é como se ele não estivesse ali. E chega a ser uma agonia pois você sabe que ele está presente e o forasteiro parece não ver. Talvez nunca veja.
Certos amores são como hipóteses a nunca serem comprovadas.
Sou o mendigo com manto do rei. Tenho a vontade irrealizável do milagre de que cada um que encontro enxergue o que para mim é mais que um vislumbre. De uma experiência totalmente individual e quase egoísta, de repente, vejo-me a querer abarcar uma humanidade inteira, o sol e a chuva.
Nesse movimento que julgava impossível, nesse salto mortal de costas e de olhos fechados sobre os punhais, faço caber no restrito, o geral.
E percebo que sou, em realidade, o manto do rei que envolve o mendigo.
Pois sei que poucos no mundo têm a chance de viver o que vivo agora, no jogo da pessoa certa e da hora errada, da hora certa e da pessoa errada.
Agradeço cada segundo do que tive até esse instante e que venha a ter a partir dele, com anseios de que cada minuto se desdobre em mil. Seja o tempo um mero jogo de armar.
Neste exato momento, a chuva cai só em mim. O sol brilha só sobre a minha cabeça.
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