Durante a chuva de comentários que este blog recebeu enquanto a possibilidade de eleição de Dilma Rousseff em primeiro turno agonizava nas urnas, fenômeno ocorrido na última noite de domingo, talvez os mais freqüentes tenham sido os rebelados contra a disseminação pela internet de uma avalanche de e-mails “acusando-a” de ser favorável à legalização do aborto.
No post anterior, aliás, que tratou dos três temas que este blogueiro considerou mais prementes (Marina, as pesquisas e a comemoração do PIG diante do 2º turno), os comentários mais freqüentes entre os que acharam que faltou algum assunto também elegeram a “acusação” sobre Dilma ser favorável ao aborto.
Não incluí esse assunto no post anterior porque é extenso e, reconheço, porque não tinha opinião totalmente formada sobre a possibilidade de essa preocupação real de uma parte significativa da sociedade com um assunto de foro íntimo das pessoas ter influído relevantemente – e de uma forma chocante, portanto – no resultado da eleição.
Isso mudou no decorrer do day after da eleição. O volume de reclamações dessa estratégia anti-Dilma foi aumentando, aumentando até que também recebi um desses e-mails, ou mais um. Só que esse eu não deletei antes que me fizesse cair os dedos – ou a vergonha na cara. Decidi assistir ao vídeo a que o e-mail sob o título “Dilma defende o aborto” remetia.
Dilma não disse, em tal vídeo de sua sabatina à Folha de São Paulo, que é favorável ao aborto, mas que não se deveria criminalizar uma mulher que o pratica contra si.
Em várias oportunidades a candidata do PT à Presidência da República disse acreditar que abortar é uma violência que a mulher comete também contra si mesma, pois passa por dor e se expõe a uma enorme imprevisibilidade de conseqüências que podem até matá-la, como de fato acontece o tempo todo.
Mas o que Dilma pensa sobre o aborto não me parece uma discussão relevante. O que me parece relevante é o que ela diz sobre uma política de saúde pública, e o que ela sempre disse sobre isso é que a legalização do aborto deveria ser apreciada pelo Congresso e não ser decidida pelo governo. Dilma, portanto, jamais pregou a legalização.
A candidata do PT não pregou que médicos que praticassem o aborto tivessem permissão para fazê-lo ou que não fossem apenados por uma lei que hoje não lhes dá permissão para tanto. Não propôs que os hospitais públicos passassem a praticar abortos, tampouco.
O que Dilma Rousseff propôs foi que não se punisse (com a cadeia?) uma mulher levada a um ato que alguns dirão destemperado e outros dirão desesperado por vicissitudes da vida que muitos de nós, sejamos contra ou a favor, já vimos passar por perto, mesmo que não tão perto, como no meu caso e no da minha mulher, que passamos fome no início da vida de casados porque decidimos que teríamos a Carla, minha primogênita, hoje com 28 anos.
Enfim, mesmo o aborto nunca tendo servido para a nossa crença de vida, sempre considerei que muitos poderiam não ser como eu e como a minha mulher, e não porque são piores do que nós mas porque não têm os nossos parâmetros morais ou espirituais – como queiram – ou porque não sabem se ao colocarem aquela criança no mundo conseguirão criá-la.
Porque é tudo, Deus meu, uma questão de foro íntimo.
Não tenho o direito de julgar o próximo por não agir como a minha mulher e eu escolhemos há quase trinta anos, desde a primeira vez em que ela engravidou até agora pouco, há cerca de doze anos, quando deixamos nascer uma quarta filha que acabou nos vindo com paralisia cerebral e à qual demos o nome de Victoria Guimarães, sem jamais termos nos arrependido de tê-la deixado nascer mesmo já tendo três filhos quase criados.
A conclusão desta reflexão é a de que este país foi jogado na Idade Média ao ter deixado que uma discussão como essa, que na maioria dos países civilizados já não tem maior relevância há tanto tempo, ganhasse entre nós a dimensão que ganhou. Isso na segunda década do século XXI.
Então me surge a dúvida inquietante sobre quem foi que nos atirou nesse lodaçal. Quem nos fez posar diante do mundo desenvolvido, onde o aborto acontece com ampla liberdade e até apoio do Estado, como um país que com tantos problemas a resolver fica se preocupando em pôr na cadeia adolescentes levadas a um ato de desespero que muitas vezes lhes ceifa a vida?
Foi José Serra ou foi Marina Silva quem nos meteu nessa? Ou será que foram ambos?
Enquanto se decide, se quiser assista ao vídeo em questão. Talvez o ajude a se decidir não apenas sobre se Dilma disse mesmo o que disseram que ela disse, mas se essa é mesmo uma opinião da pessoa que alguém tem o direito de questionar. Eu, pelo menos, fiz a minha escolha em 1982, quando me nasceu a doce Carla, mas jamais a impus a ninguém.
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