Os meios de comunicação de massa nunca estão com os povos, mas os olham, os observam..., às vezes com estranhamento, às vezes com paternalismo, outras com preocupação. Quando devem transmitir as mensagens que os povos gritam e que não podem ser caladas, é necessário que estas sejam pasteurizadas e esterilizadas para o consumo de um público ao qual eles buscam proteger da contaminação.
Por Ángeles Diez
[03 de março de 2011 - 11h16]
Os meios de comunicação de massa, isto é sabido, são parte da estratégia das guerras. Desde que a política se transformou em uma guerra por novos meios – cabe aqui o aforismo “clausewitzchiano” – deixaram de existir os meios de informação. Os meios de comunicação em massa são corporações – grupos de empresas interconectados e especializados – de modo que não é possível que sigamos tratando-os como “quarto poder”, “expressão da opinião pública”, “guardiões da democracia” etc. Eles são o poder em uma de suas múltiplas faces. Dizer que os meios têm donos é uma obviedade, mas deixar de explicitá-la é correr o risco de naturalizar sua essência até fazê-la desaparecer.
Os meios de massa têm suas rotinas e uma maquinaria perfeitamente engraxada para mover-se dentro da complexidade. Por isso basta pagar aos jornalistas para que façam seu trabalho e, na maior parte das vezes, eles sabem fazer seu trabalho e não causam muitos problemas. Tais meios têm, necessariamente, uma opinião, e desde que as novas tecnologias destruíram o tempo, cada vez têm menos tempo para formá-la, de maneira que deixam seus profissionais se guiarem por sua pouca intuição e seu grande desconhecimento. Quando ocorre um feito noticiável não é mais necessário sacar o gravador ou o celular e converter a qualquer cidadão em correspondente improvisado enquanto se compra a passagem de avião e se criam as condições para que se esteja presente no local dos fatos. Haverá tempo para aperfeiçoar o projeto. Em tempos convulsivos as precauções são extremas e são postas a prova as competências dos oradores à distância, como orientar os discursos improvisados: “Diga-nos, por favor, o que está acontecendo agora... (obviamente algo acontece)”, “Há feridos? O que é que o povo reivindica?”.
Os jornalistas não são maquiavélicos, nem mesmo se posicionam, somente fazem seu trabalho. Mesclam as palavras: revoltas, revoluções, transições, ditadores, ordem, violência, insurgentes, revolucionários. Ritualizam a linguagem para torná-la imune à contradição: democracia (imposta), liberdade (concedida), ordem (coerciva); localizam os “fast thinking”: opinadores habituais e especialistas com pedigree que carimbam a marca de autoridade da qual carecem os meios. A ritualização incorpora esta parte da naturalização que nos impossibilita perceber os limites do nosso próprio pensamento, o que nos pertence de fato e o que absorvemos sem nos darmos conta. Os meios de comunicação em massa se especializam na cozinha conceitual, um pouco de tudo, exótica e fascinante, mas em verdade escassamente nutritivo. Disse Chomsky, recolhendo palavras do norte-americano W. Lippmann: “Deve-se pôr o público em seu lugar, de modo que possamos viver livres do pisoteio e do rugido de uma multidão desnorteada”. O lugar do público é o de espectador interessado, nunca de participante. Temos que orientar seus interesses.
Os meios de informação são sujeitos políticos, não servidores da política. Por isso é ingênuo pensar que alguma vez informaram o que realmente acontece na esfera política. Eles são a parte da política que se encarrega de nossas mentes. Desde que está malvisto nos sistemas contemporâneos o uso da coação e cada cidadão pode dizer o que quiser, é imprescindível que este cidadão diga aquilo que é correto. “A propaganda moderna é a tentativa consequente e duradoura de criar ou dar forma aos acontecimentos com o objetivo de influir sobre as relações do público com uma empresa, ideia ou grupo” disse o publicista Bernays (sobrinho de S. Freud).
Os meios de comunicação de massa nunca estão com os povos, mas os olham, os observam..., às vezes com estranhamento, às vezes com paternalismo, outras com preocupação. Quando devem transmitir as mensagens que os povos gritam e que não podem ser caladas, é necessário que estas sejam pasteurizadas e esterilizadas para o consumo de um público ao qual eles buscam proteger da contaminação. O fator tempo joga a princípio a favor do povo, mas só a um curto, muito curto prazo: “estourou a revolução no mundo árabe”, “o ditador caiu”, dizem os noticiários pela manhã; “a revolta triunfou”, “é hora de organizar a transição”, dizem à noite. Retiram-se as palavras e se recompõe a ordem do discurso. As reivindicações dos povos são traduzidas para os espectadores ávidos por informação. Na nova ordem linguística, o povo sempre tem razão, é claro, mas parte desta razão foi suprimida. Os meios de massa nunca mentem, de vez em quando reconhecem que estavam equivocados, mas sempre contam parte da verdade. A verdade adequada.
Nem todas as verdades são adequadas ou convenientes, e, por isso, o tempo pós-acontecimento é fundamental para selecionar a verdade conveniente. Controlar o tempo é controlar a memória. Parecido com o que fazem os ilusionistas, os meios de massa necessitam que a atenção seja desviada, que não se perceba o truque, rapidez para trocar a pomba pela lebre, ou o contrário. Onde havia um presidente, coloquemos um ditador, onde havia fundamentalistas ponhamos o povo e onde já há o povo, coloquemos o cidadão.
Os meios alternativos são diferentes. Às vezes se equivocam, é verdade, mas as boas intenções lhes salvam do inferno dos malvados. Cometem outros pecados: aspiram a ser meios de comunicação de massa. Aparentemente não pode haver mal nisto. Buscam espaço onde não há espaço e para encontrá-lo buscam a diferença. Em que consiste a diferença?
O problema é que eles tampouco têm tempo, e, ainda que acreditem ter a mesma urgência, têm menos tempo ainda que os meios massivos porque não são empresas e não dependem do dinheiro, não produzem mercadorias. Os jornalistas alternativos são livres porque realmente não são jornalistas, mas estão atados pelos trabalhos que lhes dão de comer e roubam o tempo para se informar. Os meios massivos são proprietários do tempo da informação. Se os meios alternativos visam competir neste terreno, perdem eficácia no campo da vida. Eles necessitam encontrar seus tempos para evitar o risco de criar mercadorias.
Têm, no entanto, uma vantagem qualitativa. Eles estão a pé pelas ruas, são parte do povo, e quando se trata de falar do povo, ninguém mais próximo do que eles. Esta proximidade os leva a certa confusão, e confundem o que fazem com o que são. Os meios alternativos: mediam ou são? Confundem-se com o povo e creem ser povo. Quando este povo ainda não está articulado, quando não consegue, entretanto, implantar seus canais de interlocução, quando a revolução está em marcha... os meios alternativos, em seu desejo legítimo de ajudar os processos, podem converter-se em criadores de ilusão e confundir seus desejos com “a voz do povo”. Moralmente são impecáveis, politicamente são inofensivos.
Os meios alternativos dão conselhos aos políticos, mas é uma lástima que o poder não necessite de conselhos e que os governos afins não sejam tão livres quanto os meios alternativos para prescindir de seus compromissos de governo ou prevenir os riscos para seus próprios povos. Os meios alternativos, para serem sujeitos políticos, teriam que ser organizações e/ou estar a serviço de organizações. Difícil acreditar que de forma natural sejam órgãos da massa dispersa e espontânea. Orientar-se na complexidade do real não é fácil e se não se chega a tempo... De quê? E se não se toma posições... Quê? Os povos têm outros tempos e leva tempo para se fazer a revolução.
Os meios alternativos não definem o campo de batalha. Batalham em um campo pré-definido. Seu prestígio e capacidade transformadora passam pelo compromisso com os povos e suas organizações, passa por ir se convertendo em uma parte a mais e indivisível dos povos em luta, capazes de definir estratégias, romper com as lógicas dos meios de massa, marcar seus próprios tempos e definir com responsabilidade o campo de batalhar, fazer política e ser, em definitivo, politicamente alternativos.
Tradução de Cainã Vidor. Publicado por Rebelión.
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