domingo, 18 de julho de 2010

Vaticano não perdoa Saramago

Uma exuberante ironia da história se fez valer em Portugal. Um país de catolicismo fervoroso presenteia o mundo com um escritor da envergadura de José Saramago: culto, materialista e ativista das causas humanas. Mesmo tendo recebido Bento XVI, com todas as honras possíveis, o povo português não se furtou de sentir as criticas impiedosas do "L'Osservatore Romano" à Saramago quando nem bem seu corpo esfriara sob o manto da bandeira lusitana em choros convulsivos da velha Azinhaga do Ribatejo, cidade natal do grande escritor. A impiedade do Vaticano não perdoa a ausência metafísica do Nobel da Literatura, o grande incentivador das letras portuguesas.

Veja a matéria:

Jornal do Vaticano critica escritor como "populista e extremista"
O diário do Vaticano "L'Osservatore Romano" atacou hoje, sábado, o recém-falecido escritor português José Saramago, num artigo em que o define como "populista e extremista" de ideologia antirreligiosa e marxista.
Um dia depois da morte do Nobel da Literatura 1998, o diário da Santa Sé publica um obituário intitulado "A (presumível) omnipotência do narrador", assinado por Claudio Toscani.
"Foi um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao final numa confiança arbitrária no materialismo histórico, aliás marxismo", lê-se no artigo.
"Colocado lucidamente entre o joio no evangélico campo de trigo, declara-se sem sono pelo pensamento das cruzadas ou da Inquisição, esquecendo a memória do 'gulag', das purgas, dos genocídios, dos 'samizdat' culturais e religiosos", acrescenta.
O texto passa em revista a produção literária do escritor português, qualificando o romance "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (1991) de "obra irreverente" que constitui um "desafio à memória do cristianismo".
"Relativamente à religião, atada como esteve sempre a sua mente por uma destabilizadora intenção de tornar banal o sagrado e por um materialismo libertário que quanto mais avançava nos anos mais se radicalizava, Saramago não se deixou nunca abandonar por uma incómoda simplicidade teológica", escreve Toscani.
"Um populista extremista como ele, que tomou a seu cargo o porquê do mal do mundo, deveria ter abordado em primeiro lugar o problema das erróneas estruturas humanas, das histórico-políticas às sócio-económicas, em vez de saltar para o plano metafísico", acrescenta.
O artigo afirma que Saramago não devia ter "culpado, sobretudo demasiado comodamente e longe de qualquer outra consideração, um Deus no qual nunca acreditou, através da sua omnipotência, da sua omnisciência, da sua omniclarividência".

Veja a entrevistas de Saramago e suas impressões sobre o Papa Bento XVI e o Vaticano:

dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx

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