sexta-feira, 4 de julho de 2008

Anjinho
Não chorem... Que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Pobre criança! Dormia:
A beleza reluzia
No carmim da face dela!
Tinha uns olhos que choravam,
Tinha uns risos que encantavam!...
Ai meu Deus! Era tão bela.

Um anjo de asas azuis,
Todo vestido de luz,
Sussurrou lhe num segredo
Os mistérios de outra vida!
E a criança adormecida
Sorria de se ir tão cedo!

Tão cedo! Que ainda o mundo
O lábio visguento, imundo,
Lhe não passara na roupa!
Que só o vento do céu
Batia do barco seu
As velas de ouro da poupa!

Tão cedo! Que o vestuário
Levou do anjo solitário
Que velava seu dormir!
Que lhe beijava risonho
E essa florzinha no sonho
Toda orvalhava no abrir!

Não chorem! Lembro-me ainda
Como a criança era linda
No fresco da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!

Pobrezinho! O que sofreu!
Como convulso tremeu
Na febre dessa agonia!
Nem gemia o anjo lindo,
Só os olhos expandindo
Olhar alguém parecia!

Era um canto de esperança
Que embalava essa criança?
Alguma estrela perdida,
Do céu c’roada donzela...
Toda a chorar se por ela
Que a chamava de outra vida?

Não chorem... Que não morreu!
Que era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma luz divina
Que ao firmamento voou

Em uma alma que dormia
Da noite na ventania
E que uma fada acordou!
Era uma flor de palmeira
Na sua manhã primeira
Que um céu de inverno murchou!

Não chorem! Abandonada
Pela rosa perfumada,
Tendo no lábio um sorriso,
Ela se foi mergulhar
-Como pérola no mar-
Nos sonhos no paraíso!

Não chorem! Chora o jardim
Quando murchado o jasmim
Sobre o seio lhe pendeu?
E pranteia a noite bela
Pelo astro ou a donzela
Mortos na terra ou no céu?

Choram as flores no ofã
Quando a ave da manhã
Estremece, cai, esfria?
Chora a onda quando vê
A boiar um irerê
Morta ao sol do meio-dia?

Não chorem... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

(Álvares de Azevedo)

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