Mediunidade e Distúrbios Mentais na Visão de um Médico Espírita
Jorge Cecílio Daher Júnior
Conceito espírita da loucura
Podemos passar ao estudo do conceito espírita da loucura, que teremos em Bezerra de Menezes, “A Loucura Sob Um Novo Prisma” e Manoel Philomeno, desenvolvendo as idéias de Bezerra, em “ Loucura e Obsessão”.
À época da Codificação, o conceito de loucura elaborada por Esquirol encontrava enorme repercussão. A busca de um substrato cerebral como causa da loucura, em uma época marcada pelas mesas girantes, faz justificar a mediunidade como fruto da alucinação.
A negação do princípio espiritual, ou a afirmação de uma alma apenas metafísica, faz ver como produto de uma mente excitada os fenômenos visuais da mediunidade. A teoria alucinatória tenta enquadrar a mediunidade na psicopatologia, nos quadros de exaltação delirante.
Mas o que é a alucinação? Um erro da percepção, dirão os alienistas. Mas por que ocorre esse erro? Se é um erro, por que o caráter inteligente da alucinação, que se comunica com o que alucina de forma coerente e racional, dando sobejas provas da existência de um ser comunicante? Qual a fisiopatologia da alucinação?
Allan Kardec responde essas questões em O Livro dos Médiuns, propondo uma teoria da alucinação, que ocorre como decorrência da leitura das impressões cerebrais pela alma emancipada. Onde estariam essas impressões? Na verdade, não no cérebro físico, mas registradas nas camadas mais grosseiras (ou mais densas) do perispírito _ especulo ousadamente. O que se ressalta da fisiopatologia da alucinação proposta por Kadec é a inclusão da alma, ou do Espírito reencarnado, atuante, não abstrato.
Desnecessário nos é falar sobre as provas da realidade espiritual. Reforçamos apenas que, o desenvolver de uma teoria espírita da loucura, tem por base o homem/Espírito, tão bem apresentado por Kardec e pelos sábios Instrutores espirituais.
A decorrência natural de assumir-se a primazia do Espírito sobre o corpo é discutir-se o papel do cérebro nas manifestações da alma.
Como pudemos observar na evolução do conceito de loucura, partiu-se de causas exteriores à vontade do homem até a visão hipocrática de alteração dos humores orgânicos. O cérebro se constituiu como órgão do pensamento, até que a doutrina demonista trouxe o terror representado por intervenções além do cérebro, provocando a loucura. Criou-se, depois o termo faculdades mentais como conseqüência de ter-se loucura mesmo com o cérebro íntegro. No final do século passado a visão de que alteração da fisiologia cerebral traz doença mental, reinforçou a centralização da mente sobre as funções cerebrais.
Hoje, a ciência vê o cérebro como complexa glândula endócrina, indo mais além, possuidor de bilhões de circuitos por onde transitam os pensamentos e as idéias. Onde está a consciência, onde está a mente? Nenhum gênio das ciências da mente saberá responder. Um tema palpitante de especulação científica é o da interação mente-corpo, que é de orientação notadamente organicista, por isso, muito mais próxima do materialismo vigente.
Como conseqüência dessa visão, que não admite qualquer especulação filosófica nos moldes clássicos, decorrente da postura cientificista de Perchappe, justifica-se, por exemplo, a esquizofrenia como alteração da neurotransmissã o cerebral, afetando sistemas neurotransmissores da dopamina, serotonina e noradrenalina, de áreas específicas do cérebro. A mesma série de neurotransmissores, em locais diferentes do cérebro, é evocada para justificar a depressão, a dependência química, entre tantas doenças de manifestação, evolução e tratamento diferentes.
A teoria psicodinâmica, que envolve os fundamentos da psicologia médica, entre elas a psicanálise, a vertente cognitiva-comportam ental, entre outras, estabeleceu- se como ramo não-especulativo, modernamente, acomodando-se como subsídio terapêutico e afastando de si as vertentes que não se adequam à submissão ao organicismo.
O livro “ A Loucura Sob Novo Prisma”, de Bezerra de Menezes, após apresentar a cosmogonia espírita, começa por definir o papel do cérebro nas manifestações da mente. Seria o órgão do pensamento, gerador dos sentimentos, dos afetos, dos ideais, do amor? A capacidade de amor ou ódio se mede por disposições cerebrais diferentes? Tal especulação repugna à idéia. Reduz o papel dos avatares da humanidade ao de simples produtos de um cérebro anormal (anormal enquanto fora dos padrões usuais). Por outro lado, faz do depravado, do homicida cruel, do serial killer, uma vítima de seu órgão diferenciado, porque pouco desviado do normal. Uma visão como essa justifica uma sociedade que produziu idéias de seleção de raças, a eugenia.
Mas há fragilidade em considerar-se o cérebro a sede da mente, ou consciência. Em 1966, uma notícia teve repercussão em todos os Estados Unidos. Ernest Coe tivera todo o seu hemisfério cerebral esquerdo destruído por um tumor, que foi extirpado cirurgicamente. Para surpresa da equipe médica, o paciente permaneceu vivo por mais de seis meses, mantendo todas as suas funções normais. Destaco que o hemisfério esquerdo é o dito dominante. Mais ainda, se o cérebro é a sede da consciência, como justificar tal fato? Por reação vicariante, ou seja, a hipertrofia de funções pelo lado remanescente?
Mais ainda, em se considerando o cérebro como sede da mente, produtor dos pensamentos, idéias, emoções, sentimentos. Mesmo entre gêmeos univitelinos, existe discordância de 50-40% na incidência de esquizofrenia quando um dos pares é afetado. Fosse o cérebro a sede da mente, por serem os gêmeos univitelinos donos de aparelhos idênticos, por que a discordância e não o fatalismo?
Estejamos prontos para a visão espírita do cérebro como instrumento da mente. Emmanuel define a mente como “ o espelho da alma”, em seu livro “Pensamento e Vida”. Na verdade, a mente não é a alma, mas é fruto dela. Não está no cérebro, mas no perispírito, que reflete as disposições do Espírito eterno.
O corpo intermediário entre o Espírito e o corpo imprime na matéria densa as disposições colhidas nas experiências passadas e atuais, atuando como vigoroso modelador biológico. Assim, cada célula, em sua ligação molecular com o perispírito, recebe as impressões de variada ordem, reflexo da jornada individual. Ao ser encaminhado à reencarnação, o Espírito expressa seu propósito de renovação, confrontando com o arrastamento das tendências. Essa psicologia profunda se irradia por todo o perispírito que a transpõe ao corpo físico, gerando as disposições orgânicas às doenças, que no fundo são sempre de gênese espiritual.
O Espírito se exprime, o que o perispírito manifesta como pensamento. Quando encarnado, encontra no cérebro físico apenas um instrumento. Se esse instrumento encontra-se lesado, não exprimirá o pensamento vindo do perispírito. Mas se o cérebro encontra-se alterado apenas funcionalmente, sem lesão alguma, é porque o gerador do pensamento o faz de modo defeituoso. Qual a causa da alteração do pensamento, em nível anterior ao cérebro, ou seja, no campo do corpo espiritual?
O próprio corpo espiritual pode achar-se alterado transitoriamente, devido a sentimentos diversos, cuja gênese está no remorso, gerado por sentimento de culpa. Pode, também, estar sob a influência nociva de outra mente espiritual, interferindo diretamente sobre suas funções, no caso, obsessão espiritual.
Nos casos onde há o que chamei de alteração transitória do perispírito, transitória no sentido de que não é eterno, ocorre o que conhecemos por processos auto-obsessivos. Nesses fenômenos, não há a interferência direta de entidades estranhas na Gêneses da psicopatologia de nível espiritual.
O livro “Os Mensageiros”, de André Luiz, traz o caso de Paulo, internado em Posto de Assistência, ligada a Nosso Lar. Esse Espírito, recolhido em estado de profunda alienação, apresentava psicosfera repleta das imagens por ele geradas, quando foi acometido pelo remorso por suas ações nefandas. André Luiz auscuta todos os conflitos que o paciente vivencia, as imagens das pessoas por ele lesadas, as conseqüências de seus atos. Paulo, esse o nome do Espírito adoentado, experimentava fenômeno auto-obsessivo, já no plano espiritual.
Em “Loucura e Obsessão”, Manoel Philomeno traz-nos o caso de Ânderson, que estava sendo tratado no terreiro de Umbanda, dirigido espiritualmente por Emerenciana. Ânderson se enquadrava no diagnóstico médico de autismo, tal seu estado de introspecção e fuga da realidade. Dr. Bezerra diagnostica processo auto-obsessivo, cuja gênese está em carpir intensa atividade mental em faixas do crime e da viciação, cometendo delitos que podem ser ocultados de todos, exceto da consciência que os registra e exige reparação. Transmite ao cérebro essa realidade, gerando circuitos cerebrais que aniquilam a polivalência das idéias. Tais são os processos depressivos graves, sem resposta terapêutica, por que o cérebro apenas transmite os fenômenos do Espírito adoentado.
No caso em questão, Ânderson buscava sofregamente o refúgio de seu castelo celular para não enfrentar a própria consciência que acusava, agravado pela presença de cobradores espirituais.
Quando o processo se dá pela interferência obsessiva, geralmente o Espírito interferente logra atingir seus resultados pela sintonia que faz com sua vítima.
Numa rememoração rápida, Allan Kardec classificou a obsessão, conforme sua intensidade, em simples, fascinação e subjugação. André Luiz afirma que os processo de fascinação e subjugação podem ser agravados por fenômeno de vampirização.
O mecanismo que leva à fascinação e à subjugação é apresentado pelo Dr. Bezerra de Menezes, que o subdivide em duas fases distintas, desfalecimento e arrastamento.
Na fase de desfalecimento, o que ocorre é reação advinda da concessão a um mal que subjugava intimamente. Nesse caso, um homem bom, tinha nos seios da alma uma paixão que subjugava e, um dia, por circunstância imprevista, foi por ela arrebatado. Despertado após o mal já cometido, tenta encobrir a falta ao invés de vomitar o veneno, instalando em si o gérmen do desequilíbrio.
Com o abrir as portas da invigilância os maus Espíritos, é incitado a saciar a sede da paixão represada, porém não o obtém senão às custas de um mergulho profundo. Se começa tremendo, vai envolvendo-se mais e mais, até o total rompimento com os valores que cultivava. Isso é o arrastamento.
Na fase de arrastamento, está de todo vulnerável, as defesas acaso erguidas baixam-se e pode, finalmente, ser atingido por inimigos de outrora, que se tornam empedernidos cobradores, buscando tirar muito mais do que deram, em vingança cruel. Outras vezes, se torna joguete de Espíritos cruéis, que o utiliza como um mero servo de seus desejos, escravizando- o em vampirizações cruéis.
Quem não se lembra do jovem candidato à mediunidade, apresentado por André Luiz em “Os Missionários da Luz”, que traz em seu centro de força genésico duas entidades vampirizadoras, acopladas parasiticamente pela sintonia dos lupanares?
Certa ocasião, foi encaminhado ao nosso Grupo de Desobsessão, jovem, masculino, alcoólico, que apresentava distúrbios da conduta sexual, manifestada por travestismo e prostituição. Buscando auxiliá-lo, em técnica de desdobramento, o médium Z detectou entidade espiritual de aspecto degenerado, de formas esquálidas, como se fosse um corpo mumificado, segurando em sua mão algo semelhante a uma garrafa, fixado ao paciente através do centro genésico. Após intervenção dos dirigentes espirituais na remoção do ser oportunista, houve acentuada melhora do paciente, que até hoje não cumpriu a promessa de retornar ao grupo.
Devemos, também, abordar os casos de loucura decorrentes de alterações funcionais do cérebro que se dão em função de processos expiatórios, decorrentes das faltas cometidas pelo que hoje padece.Nesses casos, como o Espírito culpado gera vítimas, pode-se associar quadros obsessivos que atuam como complicadores da doença.
Quando o Dr. Bezerra de Menezes foi solicitado a acompanhar o caso de Carlos, conforme está no livro “ Loucura e Obsessão”, o paciente, de vinte anos, há oito padecia de esquizofrenia do tipo catatônica. O bondoso médico deu o diagnóstico como correto, mas questionou o prognóstico. Além da realidade cerebral, a realidade espiritual de Carlos mostrava agravante quadro obsessivo, complicador de seu resgate expiatório.
O paciente sofria todos os processos orgânicos da doença grave, mas a influência obsessiva perturbava-lhe as funções do sangue, gerando anemia e carências várias.
Tanto nos casos de obsessão de longo curso, como de loucura agravada por subjugação, o cérebro pode sofrer conseqüências danosas, o que torna a cura complexa e de difícil curso.
O sofrimento imposto pela doença, gerada pelo Espírito, que imprime em seu perispírito os transtornos conseqüentes às faltas perpetradas, refletidas nas alterações sobre os centros de força nos casos expiatórios, ou em transtornos auto-obsessivos, bem como nos processo de subjugação pelo arrastamento, pode levar o cérebro a processo demenciais.
Isso porque, nos casos expiatórios, os centros de força estão desorganizados, reflexo das faltas passadas e da culpa assumida pelo Espírito. Nos casos de subjugação, a emanação fluídica do Espírito obsessor atua diretamente sobre o perispírito da vítima, também fazendo com que o fluxo energético entre os centros de força não se dê de modo adequado. Nos processos auto-obsessivos, há excessiva contração dos chakras afetados.
Tratamento Espírita da Loucura
Uma vez que tentei tratar de tema tão complexo, vasto, difícil, que é a visão espírita das causas da loucura, o que poderíamos esperar de um tratamento genuinamente espírita?
Nos casos onde há a intervenção médica, as substâncias recomendadas devem ser ministradas. No caso de Carlos, Dr. Bezerra não desaconselha o tratamento médico. Isso porque os anti-psicóticos trazem alívio ao cérebro excitado, diminuem os ricos decorrentes das atitudes bizarras e condutas inapropriadas. Depois, aprimoram, no que é possível, o instrumento já avariado em seus circuitos, ainda que não conseguindo atingir o agente causal do distúrbio, que é o Espírito.
Ao tratar da terapia espírita da loucura, o sábio Bezerra de Menezes propõe:
fluidoterapia intensiva: Carlos era submetido, pelos Espíritos, a fluidoterapia quatro vezes ao dia;
terapia ocupacional, voltada para o próximo, em atividades de benemerência, que visam despertar o ser eterno e fazê-lo granjear méritos que aliviarão suas dívidas a serem resgatadas;
desobsessão, que visa moralizar o Espírito obsessor, não pela repressão, mas pelo convite ao perdão como instrumento da própria liberação;
moralização do paciente, que tem por objetivo despertá-lo para os erros cometidos e para a necessidade de renovar-se pela prática do bem.
Nesse ponto, poderíamos questionar como moralizar um louco? É o que questiona o próprio Bezerra de Menezes, para depois responder que o faz através da evocação do Espírito encarnado, fato esse que não se faz sem risco de mistificação, exigindo a mais alta seriedade de propósitos e profundo senso crítico e conhecimento profundo dos mecanismos da obsessão.
A proposta terapêutica espírita é absolutamente uma terapia moral. Desconsideremos aqui o conceito de moral como costumes aceitos, mas ressaltemos moral como conduta de elevação espiritual. Por isso, diferentemente de Pinel, a terapia a ser empregada não é repressora, pelo contrário, visa libertar o doente das amarras através do esclarecimento, do convite à prática de atividades de benemerência, do envolvimento daqueles que, antes de serem tratados por Espíritos obsessores, são seres como nós, que merecem nossa atenção e nosso carinho.
Certa ocasião, em desdobramento fisiológico, fui conduzido ao Sanatório Espírita de Anápolis, para uma praça que não tem equivalência física. Encontrei Justino, um paciente psicótico crônico, cuja família não o suporta, mas que sempre mantive animado relacionamento. Ele estava sério, não tinha a fácies de alienação, mas seu olhar era de uma lucidez que jamais vi em Justino. Se aproximou mais e mostrou-me uma cena em que ele protagonizava um desequilibrado, como o era na realidade cotidiana dessa existência. Disse-me que era louco por imposição da corrigenda, que sofria muito, como Espírito, vivenciar tudo aquilo, as experiências como um celerado.
Desde aquele dia, percebi que Justino não era doente, era um ser como qualquer um de nós, ele tinha alma. Suas dificuldades, oriundas de pesada expiação, por certo não encontrariam alívio imediato nessa existência, e lembrei-me do amigo Bezerra de Menezes, que dava apenas o que tinha de si, o amor.
Quando diante de irmãos em expiações pelos corredores da alienação, lembremos da Dra. Kübler-Ross que, nomeada psiquiatra numa instituição que abrigava psicóticos crônicos, ofereceu a eles amor, e, aos poucos, eles foram recobrando a lucidez que lhes era ainda possível, mas o suficiente para retornarem aos seus lares.
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