terça-feira, 30 de novembro de 2010

A fundamentalidade dos Direitos Sociais no Estado Democrático de Direito

por Dayse Coelho de Almeida

Resumo
O artigo discute o papel dos Direitos Fundamentais frente à moderna Teoria da Constituição. Em razão disto, adota o entendimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais, incitando a discussão justificada e fundamentada acerca dos valores albergados e escolhidos pela Constituição Federal ao erigir no Brasil o Estado Democrático de Direito. O artigo visa demonstrar a necessidade de uma hermenêutica constitucional condizente com a realidade brasileira e fomentadora da verdadeira democracia.

1. Considerações Introdutórias

O presente artigo tem como fito discutir o papel dos direitos fundamentais frente à moderna teoria da constituição. Para tanto, adota o entendimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais. Utilizando-se desta premissa, mister se faz uma justificação e fundamentação acerca de quais benefícios traz tal entendimento ao destinatário final da Constituição, o cidadão brasileiro.

A temática é de extrema relevância, mormente quando se observa uma tendência de supressão destes direitos e minimização de sua aplicabilidade.

Os direitos sociais, por sua própria natureza, invocam do poder político uma demanda de recursos para sua aplicabilidade plena, o que gera fortes pressões ideológicas e envolve escolhas políticas determinantes para conseguir alcançar o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária1 , objetivo consagrado em nossa Carta Magna.

Elencados do art. 6º ao 11º da Constituição Federal, os direitos sociais são: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Entretanto, o conteúdo de que o art. 7 ao 11 trata é exclusivamente de conteúdo normativo referente ao trabalho, onde muitas garantias, ainda que mínimas, são garantidas ao trabalhador brasileiro, seja ele urbano ou rural. A visão de que os direitos sociais são também direitos fundamentais exsurge como um escudo de proteção a estes direitos, inclusive por meio de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, impingindo um dever de observância e realização material dos mesmos.

2. A Fundamentalidade dos Direitos Sociais e o Princípio da Proibição de Retrocesso Social

Em que pese a topologia constitucional não privilegiar a vertente de pensamento que acolhe os direitos sociais como fundamentais, sua essencialidade reside em sua ligação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, valores albergados na principiologia constitucional, consagrados doutrinária e jurisprudencialmente.

Muito se discute sobre a inclusão ou não dos direitos sociais no rol das cláusulas pétreas, uma vez que a Constituição adotou uma terminologia que não abriga, à primeira vista, esta posição. E, a partir da leitura do art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal2 a controvérsia ganha corpo. A interpretação literal abre um horizonte para a imprecisão dos vocábulos usados, uma vez que estes não se repetem em nenhum outro lugar da Constituição.

Há referências no texto constitucional de direitos individuais e coletivos no art. 5º da CF, de modo que a interpretação literal deixaria de fora o rol do art. 5º, resultado absurdo num Estado submetido às leis sob um regime democrático. A interpretação literal não se presta a elucidar a questão, pelo próprio caráter sistemático adotado na redação da Constituição.

Para resolver o problema, a adoção do entendimento de que tanto os direitos individuais quanto os coletivos são cláusulas pétreas exsurge viável, até mesmo pela orientação hermenêutica emanada do próprio art. 5º, § 2º da CF que diz expressamente: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". O que orienta de maneira incontroversa que se trata de um rol exemplificativo.

A leitura restritiva dos direitos fundamentais resulta em notável prejuízo ao cidadão, porque este terá seu patrimônio jurídico reduzido. Isto ocorre de forma numérica, quando reduz o rol de direitos fundamentais, quanto de forma sofisticada, através do enquadramento dos direitos sociais como normas programáticas.

O encarceramento dos direitos fundamentais sociais no conceito frágil e patético de normas programáticas não faz sentido, uma vez que os valores sociais são os pilares do Estado Democrático de Direito3 . E o que são as cláusulas pétreas se não o reconhecimento de que aqueles valores são de suma importância e por isto precisam ser cuidadosamente protegidos dos reveses políticos, marcados pela instabilidade e pelo jogo ou troca de interesses? Sendo assim, a manutenção da nossa ordem constitucional emerge como única forma de não contradizer a finalidade dela mesma.

No plano do direito internacional, o Brasil foi signatário de alguns tratados que reconhecem os direitos sociais como direitos humanos fundamentais, a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), Protocolo de São Salvador (1988) adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e o Pacto de São José da Costa Rica. Neste último, o Brasil acolheu expressamente o princípio do não retrocesso social, também chamado de aplicação progressiva dos direitos sociais4 .

Joaquim José Gomes Canotilho (1998, p. 221) ao demarcar o ser humano como fundamento da República e limite maior ao exercício dos poderes políticos inerentes à representação política ressalta a importância da dignidade da pessoa humana albergada no ordenamento: perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.

A fundamentalidade dos direitos, ou seja, seu reconhecimento enquanto direitos fundamentais, é tema que sempre gera polêmica e até a contemporaneidade, uma vez que não houve consenso a respeito. Até mesmo a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, ação constitucional que visa proteger os preceitos fundamentais, carece de uma definição mais incisiva, uma vez que estes ainda não estão explicitados de forma direta, salientando que não significa prejuízo, uma vez que um rol taxativo recomenda uma interpretação restritiva, decerto não benéfica ao cidadão.

Toda a controvérsia acerca do que são direitos fundamentais ocorre em virtude da conseqüência jurídica que advém deste reconhecimento pelo Estado, significando conferir a estes direitos a blindagem constitucional de cláusula pétrea, garantindo sua imutabilidade. Como bem elucidou Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 354):

A garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos "casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares".

E isto força o Estado a cumprir sua finalidade que é promover o bem comum, como apregoa José Luiz Quadros de Magalhães (2002, p. 220), e ex vi o art. 5º, § 1º da Constituição brasileira que preceitua: "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

A análise crítica dos postulados dos direitos fundamentais e sua relação visceral com os direitos sociais, este espécie daquele, assume contornos essenciais. Os direitos sociais são ordinariamente classificados como normas constitucionais programáticas, residindo na reserva do possível. Norberto Bobbio (1992, p 77-78) tem uma posição interessante pela relevância de sua crítica:

Tanto é assim que na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de "programáticas". Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hit et nunc , mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die , além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o "programa" é apenas uma obrigação moral ou, no máximo política, pode ainda ser chamado de direito? A diferença entre esses auto-intitulados direitos e os direitos propriamente ditos não será tão grande que torna impróprio ou, pelo menos, pouco útil o uso da mesma palavra para designar uns e outros? (grifo nosso)

E a crítica de Bobbio é oportuna, especialmente quando se considera o conteúdo de promessas em matéria de direitos. Nestas promessas é que reside a descrença do brasileiro na política e também na justiça, porque se nem o que está escrito vale, de que poderá se socorrer? Para clarear ainda mais a obscenidade do tratamento dos direitos sociais como normas programáticas, a depender do possível de ser realizado, estando, portanto, vinculadas e pendentes de escolha legislativa presa à moral de cada representante, a lição de Luís Roberto Barroso (2001, p. 120) é elucidativa:

O fato de uma regra constitucional contemplar determinado direito cujo exercício dependa de legislação integradora não a torna, só por isto, programática. Não há identidade possível entre a norma que confere ao trabalhador direito ao "seguro desemprego" em caso de desemprego involuntário (CF, art. 7º, II) e a que estatui que a família tem especial proteção do Estado (CF, art. 226). No primeiro caso, existe um verdadeiro direito. Há uma prestação positiva a exigir-se, eventualmente, frustrada pelo legislador ordinário. No segundo caso, faltando o Poder Público a um comportamento comissivo, nada lhe será exigível, senão que se abstenha de atos que impliquem na "desproteção" da família".

O citado doutrinador defende a teoria da máxima aplicabilidade das normas constitucionais, única forma de dotar a Constituição de caráter normativo real e de fornecer ao cidadão, seu destinatário final, uma proteção efetiva. E não parece legítimo que se defenda que os direitos fundamentais são apenas enunciados sem força normativa, presos ao acaso da boa vontade do legislador.

Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 162) ainda aponta outro perigo do entendimento de direitos sociais como normas programáticas, afirmando:

negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte.

Embora seja sabido que o legislador dispõe de uma margem de liberdade numa democracia, não se pode admitir que se possa ignorar o conteúdo da Constituição e legislar no sentido de desconstruir ou dissolver a vontade do legislador originário. Aqui reside o cerne deste artigo, abordando o princípio da vedação de retrocesso nos direitos sociais. Embora a abordagem deste princípio intrínseco seja ou traga alguma polêmica, como adverte Lênio Luís Streck (1999, p. 31) eis que:

Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional. Grifos nossos

Embora, como Lênio Luís Streck afirmou, não seja difundido de maneira ampla, está a cada dia ganhando mais corpo e arrebanhando defensores, tendo como nascedouro a doutrina lusitana de Joaquim José Gomes Canotilho (1998, p. 321 e 2001, p. 81) que define o princípio da proibição de retrocesso social como:

o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa "anulação", "revogação" ou "aniquilação" pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.

Joaquim José Gomes Canotilho tem como adeptos no Brasil doutrinadores como Ingo Wolfgang Sarlet e Luís Roberto Barroso, et coetera. Verifica-se com Luís Roberto Barroso (2001, p. 158) que apesar do princípio do não retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade, uma vez que é decorrente "do sistema jurídico - constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido". Na mesma linha Flávia Piovesan (2000):

O movimento de esfacelamento de direitos sociais simboliza uma flagrante violação à ordem constitucional, que inclui dentre suas cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais. Na qualidade de direitos constitucionais fundamentais, os direitos sociais são direitos intangíveis e irredutíveis, sendo providos da garantia da suprema rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que tenda a restringi-los ou aboli-los.

Diante da transição paradigmática que a sociedade contemporânea passa buscando a afirmação e a fundamentação dos direitos, o princípio da vedação de retrocesso dos direitos sociais é um corolário para o que o ser humano deve dar valor: a sua dignidade. é indissociável a idéia de que a Constituição foi criada para propiciar cidadãos dignos, garantindo-lhes a mínima proteção para que lhes seja assegurada uma vida boa, uma vida feliz. Corroborando com isto, Flávia Piovesan (2000, p. 54-55) explicitou a essencialidade do princípio da dignidade da pessoa humana, aduzindo:

A dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora "as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro".

Note-se que os próprios limites materiais no tocante ao poder de reforma da Constituição significam um entrave à sanha reformista do legislador, sempre preocupado, como se observa no Brasil, em criar novas leis ou reformular as antigas, dando pouca atenção à efetividade e à Constituição.

A unidade da Constituição precisa ser preservada, evitando-se a descaracterização dos preceitos nela contidos. Tanto isto é verdadeiro, que o legislador constituinte estabeleceu vedações para o poder reformador, protegendo sua obra e evitando a desvirtuação e o esvaziamento do conteúdo constitucional pelo legislador ordinário.

O direito à proibição de retrocesso social consiste numa importante conquista civilizatória. O conteúdo impeditivo deste princípio torna possível brecar planos políticos que enfraqueçam os direitos fundamentais. Funciona até mesmo como forma de mensuração para o controle de constitucionalidade em abstrato, favorecendo e fortalecendo o arcabouço de assistência social do Estado e as organizações envolvidas neste processo.

Além do mais, o princípio da reserva de justiça da Constituição imprime a vontade do titular do Poder Constituinte, este legítimo quando seja depositário dos valores inspiradores do conteúdo normativo da Carta Magna. O poder constitucional é limitado aos valores base em que fora sedimentado. Por oportuno cumpre citar Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 224) por abordar mais uma premissa deste artigo, aduzindo "não mais é possível pensar a Constituição - e mais ainda as suas cláusulas constitucionais intangíveis - sem levar em conta suas qualidades intrínsecas, seu valor ético" . O valor intrínseco de uma Constituição não pode ser desprezado ou subjugado, sob pena de ruir o conteúdo normativo da mesma.

Em um país tão marcado pela desigualdade social como o Brasil, os impactos do processo de globalização econômica e as matizes neoliberais políticas fazem por brotar no constitucionalismo contemporâneo a necessidade de elaborar formas de proteger os direitos sociais, em especial os trabalhistas, garantindo o mínimo necessário à dignidade de vida.

A globalização econômica faz com que os Estados, em geral, percam o controle de sua economia, atingindo seu poder de gestão, imprimindo ações diretivas a favorecer ou desfavorecer, a depender da ocasião, os direitos sociais. O que tem acontecido é uma tendência de retrocesso na proteção e efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre eles a diminuição da máquina estatal, notadamente a assistencial e o desmantelo dos direitos trabalhistas através da flexibilização.

O Direito, enquanto ciência social aplicada deve transpassar da mera dogmática e alcançar a realidade, indo além da análise do problema, propondo soluções palpáveis e de aplicabilidade imediata. Esta função social urge ser incessantemente perseguida, sob pena de retrocessão na própria civilização, entendida como abandono dos instintos animalescos, e seguir ao encontro do estado democrático de direito prometido na Constituição.

Como salienta Antônio Henrique Pérez Luño (1993, p. 215) os direitos sociais, denominados por Norberto Bobbio (1992) como de segunda geração, exsurgem do reconhecimento de que "liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre e pluralista, mas a uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à não-liberdade de muitos", o que condiz com a idéia de mínimo existencial garantido através da intervenção positiva do Estado. Disto extrai-se a essencialidade dos direitos sociais e a relevância jurídica enquanto bens tutelados pela Carta Magna, a saber direito a educação, saúde, ao lazer, ao trabalho e à moradia. Todos estes direitos estão contidos no mínimo existencial englobado no conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana.

A crise por que vive o direito tem reflexos nos direitos fundamentais. O panorama de crise será mais ou menos agudo a depender das posições políticas adotadas. Isto se dá pelo impacto da globalização e da afirmação do paradigma alcunhado neoliberal, que impõe aos países periféricos uma lógica perversa de Estado mínimo, subordinação a órgãos como o Fundo Monetário Internacional e a situações de competição desigual e, como adverte Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 8) a crise, entretanto não é fruto apenas disto:

é, contudo, comum a todos os direitos fundamentais, de todas as espécies e "gerações", além de não poder ser atribuída, no que diz com suas causas imediatas, exclusivamente ao fenômeno da globalização econômica e ao avanço do ideário e da "praxis" neoliberal.

A exclusão social e formação de bolsões de pobreza são graves dilemas enfrentados pelo Brasil, que atuam reduzindo a capacidade de ação social no sentido de efetivação dos direitos fundamentais. A outra face da moeda é fragilidade que transformar-se em dominação, o que gera uma possibilidade de desmantelo da democracia. O poder paralelo ou crime organizado abrigado em favelas e aglomerados, que representam "pseudo-estados", onde o poder instituído está ausente. E aí surge o perigo de isolar em dois mundos o povo brasileiro, de um lado os moradores da cidade submetida ao poder político instituído e de outro os habitantes das favelas sob o crivo do crime organizado, podendo vir a força estatal ou violência legitimada ser utilizada com o objetivo falacioso de manter a ordem e proteger os cidadãos de bem, o que foi chamado de "fascismo do Estado paralelo" por Boaventura Souza Santos (1998, p. 23 e ss), caracterizado pela subversão da ordem jurídica. Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 8) contextualiza de forma brilhante os nefastos reflexos da crise dos direitos sociais:

Para além disso, convém que fique registrado que - além da crise dos direitos fundamentais não se restringir aos direitos sociais - a crise dos direitos sociais, por sua vez, atua como elemento de impulso e agravamento da crise dos demais direitos. [...] Basta, neste contexto, observar que o aumento dos índices de exclusão social, somado à crescente marginalização, tem gerado um aumento assustador da criminalidade e violência nas relações sociais em geral, acarretando, por sua vez, um número cada vez maior de agressões ao patrimônio, vida, integridade corporal, intimidade, dentre outros bens jurídicos fundamentais.(grifo nosso)

Diante deste contexto de crise, o direito do trabalho é afetado de forma incisiva e seu desmantelo contribui para o aumento da violência, principalmente em razão do desemprego. O único caminho que pode despontar para a satisfação de uma sociedade justa e igualitária é garantir, por força e proteção da Constituição Federal, a dignidade do trabalho. E não só isto, propiciar formas de que estas normas sejam efetivamente cumpridas.


3. Considerações Finais

Em nosso país, em que pese os prestimosos esforços doutrinários em garantir a fundamentalidade dos Direitos Sociais, a prática ainda é tímida. é possível afirmar que o constitucionalismo moderno e suas perspectivas filosóficas encontram-se além de nosso tempo, porém são iniciativas fundamentais para o amadurecimento da nossa democracia e o sucesso futuro de nosso povo.

A ameaça sobre os direitos sociais sempre presente em países em desenvolvimento como o Brasil, em que a globalização econômica tem como efeito a exclusão social e a mitigação de recursos orçamentários. Porém, sem dúvida, é um avanço brilhante da nossa sociedade o reconhecimento dos direitos sociais, em especial os trabalhistas, haja vista a quantidade e pluralidade dos mesmos, ocupando todos os artigos no tópico de direitos sociais elencados na Constituição Federal.

Entretanto, a conquista pura e simples não é motivo para comemoração, é apenas o primeiro passo rumo a uma luta maior: sua efetivação. Dentro da perspectiva de cidadania é dever de todos participar sócio-politicamente do processo de fortalecimento da democracia. A participação ativa é fundamental para que o texto constitucional saia do discurso demagógico.

Os direitos fundamentais sociais em seu cerne possuem um projeto emancipatório fascinante, assim como possuem todos os direitos fundamentais, uma vez que lutando por estes direitos e sua efetivação constrói-se a emancipação real do ser humano. Significam a saída da cidadania do plano jurídico-formal (projeto político) para o campo sócio-econômico. E nisto, reside a beleza e prestabilidade dos direitos fundamentais.

Concluindo o que foi iniciado por poesia, apresento a do Mário Quintana (1948, p. 15) por encaixar-se no espírito deste artigo "Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que triste os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!".
NOTAS DE RODAPé CONVERTIDAS

1. Ideais insertos no art. 3º, I da Constituição Federal de 1988.

2. Art. 60, § 4º, inc, IV da CF/88, in verbis: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais.

3. A simples leitura do art. 1º, incisos II e III da Constituição Federal embasa a assertiva no tocante os direitos sociais e seus valores inspiradores são fundamentos do Estado Democrático de Direito e também sua conceituação, haja vista, que a soberania popular, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e a representatividade do povo, real detentor do poder consubstanciam o Estado Democrático de Direito.

4. O princípio do não-retrocesso social ou aplicação progressiva dos direitos sociais caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed., Coimbra, 1998.

_____. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

LUÑO, Antônio Henrique Pérez. Los Derechos fundamentales. Madri:

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentus, 2002.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTr, 2000.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

_____. Não a desconstitucionalização dos direitos sociais. Revista Consultor Jurídico , 02 de junho de 2000. Disponível em: . Acesso em 15 de abril de 2005.

QUINTANA, Mário. Do caderno h. Porto Alegre: Editora Globo, 1973.
_____. Espelho mágico. Porto Alegre: Globo, 1948.

SANTOS, Boaventura Souza. Reinventar a Democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. Coimbra: Oficina do Centro de Estudos Sociais, 1998.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

_____. Direitos Fundamentais Sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos Direitos Sociais num contexto de crise. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre: 2004, número 2, 121/168.

_____. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, n. 1, 2001, p.08. Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 17.01.2005.

STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça: Um ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

Autor:

Dayse Coelho de Almeida

monfalco[arroba]yahoo.com.br

Direitos sociais

São direitos sociais, conforme a Constituição: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Ainda no capítulo dos direitos sociais, a Constituição lista dezenas de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, entre eles: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa; seguro-desemprego; fundo de garantia do tempo de serviço; salário mínimo; irredutibilidade do salário; 13º salário; e adicional noturno.

Fonte: Constituição Federal, capítulo II, artigos 6º e 7º

Bandolins

Bandolins

"Como fosse um par que nessa valsa triste se desenvolvesse
ao som dos bandolins e como não
E por que não dizer
que o mundo respirava mais se ela apertava assim seu colo
e como se não fosse um tempo
em que já fosse impróprio se dançar assim
ela teimou e enfrentou o mundo se rodopiando ao som dos bandolins

Como fosse um lar seu corpo a valsa triste
iluminava e a noite caminhava assim
e como um par o vento e a madrugada iluminavam a fada do meu botequim
valsando como valsa uma criança que entra na roda a noite tá no fim,
ela valsando só na madrugada
se julgando amada ao som dos bandolins

Como fosse um par que nessa valsa triste se desenvolvesse
ao som dos bandolins e como não
E por que não dizer
que o mundo respirava mais se ela apertava assim seu colo
e como se não fosse um tempo
em que já fosse impróprio se dançar assim
ela teimou e enfrentou o mundo se rodopiando ao som dos bandolins

Como fosse um lar seu corpo a valsa triste
iluminava e a noite caminhava assim
e como um par o vento e a madrugada iluminavam a fada do meu botequim
valsando como valsa uma criança que entra na roda a noite tá no fim,
e ela valsando só na madrugada
se julgando amada ao som dos bandolins

Como fosse um par que nessa valsa triste se desenvolvesse
ao som dos bandolins
valsando como valsa uma criança que entra na roda a noite tá no fim,
e ela valsando só na madrugada
se julgando amada ao som dos bandolins"

Rege a lenda que Oswaldo Montenegro se inspirou em um casal de amigos para compor a música. Ela era uma moça bailarina, porém menor de idade. Ele um rapaz, também bailarino. Ambos namoravam, até que um dia o jovem rapaz recebeu um convite para trabalhar no exterior. Não pode recusar, precisava seguir sua carreira artística. A mãe da moça não permitiu que ela fosse junto. A música trás a comovente história da dor da separação. É uma bela canção!!!!

A cada despedida

A cada despedida

Uma nova ferida

No peito aperto e dor

Na boca palavras de amor



A cada despedida

A lembrança de uma vida

A lágrima no olhar

A mão a acenar



A força do abraço

E o beijo de adeus...

A cada despedida



O último suspiro

E a saudade que fica...

A cada despedida





E a cada despedida a espera por um novo encontro...

Caroline Santos Rabel

Renato Russo

Nome Completo: Renato Manfredini Jr.

Apelido: Júnior

Naturalidade: Rio de Janeiro

Nascimento: 27 de março de 1960

Signo: Áries com ascendente em peixes

Altura: 1,74m

Peso: 65kg

Mãe e Pai: Maria do Carmo e Renato

Irmã: Carmem Teresa Manfredini

Filho: Giuliano Manfredini

Trabalho: foi jornalista, radialista e professor de inglês da Cultura Inglesa

Instrumentos: violão, baixo e teclado

Propriedades: ¿só o meu apartamento.¿

Palavra Preferida: Essência

Palavra que mais usa: Eu

Palavras que seduzem: espírito, bondade, desejo

Palavra mais feia: a que é dita por pessoas intolerantes e injustas

Canção: I get along without you very well, de Hoagy Carmichael

Música Preferida da Legião Urbana: Giz

Música que não gosta da Legião Urbana: Depois do Começo

Compositor: Bob Dylan

Cantores: Greg Lake, Scott Walker, Caetano Veloso

Cantoras: Maria Bethânia e Maria Callas

Atores: Collin Firth, Todd Haynes e Gregg Araki

Atrizes: Cybill Shepard, Diane Keaton e Monica Vitti

Filmes: Poison, Satirycom, O Mágico de Oz, A Regra do Jogo.

Escritores: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Arthur Rimbaud

Livros: Zen e a arte da manutenção das motocicletas, de Robert Pirsig; e O discurso da servidão voluntária, de Etienne de La Boetie

Óperas: Parsifal e A Flauta Mágica

Esporte: Natação

Hobby: Assistir filmes e comprar discos

Ginástica: ¿levantamento de controle remoto.¿

Coleções: de livros e CDs

Incômodo: a saúde

Bebidas: Água de coco, chás e água

Comida: comida tailandesa e massas. Das brasileiras: feijão, arroz e batata frita

Frutas: Tangerina, cereja, banana, maracujá e todas as berries

Restaurantes: Madame Butterfly, Viethay e Enotria

Roupa: jenas e camiseta

Sapatos: tênis ou bota

Cueca: BVD

Parte do Corpo que mais gosta: o cérebro e as mãos

Sonho de consumo: ¿Não tenho.¿

Primeira transa: ¿num carro, aos 17 anos.¿

Primeiro beijo: ¿aos 9 anos, com a minha namorada nos Estados Unidos. Achei a coisa mais nojenta.¿

Símbolo sexual: "O Leonardo, jogador da Selecão, acho ele um gatinho."

Última pessoa que levaria para a cama: Paulo Francis

Homem bonito: ¿meu filho.¿

Homem elegante: Dado Vila-lobos

Homem inteligente: Betinho, Chico e Caetano

Mulher bonita: Isabella Rosselini, Vivian Leigh, Maria Bethânia e Zezé Motta

Mulher elegante: ¿minha mãe.¿

Mulher inteligente: Maria Colassanti, Adélia Prado.

Mitos: the Beatles e Jesus Cristo

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Direitos sociais

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Direitos sociais são aqueles que têm por objetivo garantir aos indivíduos condições materiais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo dos seus direitos, por isso tendem a exigir do Estado intervenções na ordem social segundo critérios de justiça distributiva. Assim, diferentemente dos direitos liberais, se realizam por meio de atuação estatal, com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais. Por isso, tendem a possuir um custo alto e a se realizar a longo prazo.
Os direitos sociais do homem consistem em: o direito à vida (direitos da mãe, direitos da infância, direito das famílias numerosas); direito à igualdade do homem e da mulher; direito a uma educação digna do homem; direito de imigração e de emigração; direito de livre escolha para aderir às diversas associações econômicas, políticas e culturais.
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A despeito de registros anteriores, os direitos sociais começam a surgir, nos moldes atuais, em decorrência da Revolução Industrial do século XIX, que passa a substituir o homem pela máquina, gerando, como conseqüência, desemprego em massa, cinturões de miséria e grande excedente de mão-de-obra. Tudo isso gerou evidente desigualdade social, fazendo com que o Estado se visse diante da necessidade de proteção ao trabalho e outros tantos direitos. Contudo, os direitos sociais tiveram realmente seu ápice com o marxismo e o socialismo revolucionário, já no século XX, que trouxeram uma nova concepção de divisão do trabalho e do capital. Por isso, entende-se que os direitos sociais foram aceitos nos ordenamentos jurídicos por uma questão política, isto é, para evitar que o socialismo acabasse por derrubar o capitalismo vigente.
A Constituição brasileira de 1988 estabelece, no artigo 6º, que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

A longa marcha dos direitos sociais

Rafael Valim *

Adital -
Seria satisfatório declarar que as pessoas nascem livres e iguais em direitos e obrigações? A história provou que não. Os direitos de liberdade só cobram sentido se acompanhados de mínimas condições materiais para o respectivo gozo, ou, em outras palavras, não existe liberdade desatrelada de emancipação econômica.
Os direitos, na feliz expressão de Norberto Bobbio, não nascem "todos de uma vez e nem de uma vez por todas" (1). São, em verdade, categorias históricas, o acervo resultante de sucessivos processos de luta pela dignidade humana.

Convém atentarmos, contudo, para o fato de que, ao contrário do que muitos supõem, a consagração de determinado direito nos textos legislativos, mesmo nos textos constitucionais, não representa um ponto de chegada, senão que, frequentemente, apenas um ponto de partida na longa trajetória conducente a sua plena afirmação (2).

Foi o que sucedeu com os direitos sociais. Embora datem, na história do constitucionalismo, de 1917, quando incorporados à Constituição Mexicana como direitos fundamentais, ao lado das liberdades individuais e dos direitos políticos (3), até hoje aguardam suficiente efetivação.
Como explicar este fenômeno? De que modo é possível combatê-lo?

Refletir sobre estas interrogações é a que nos propomos neste breve ensaio.

É certo que os direitos sociais emergiram no seio das profundas contradições sociais decorrentes da aplicação dos valores liberais, cujas formulações abstratas, descontextualizadas, foram logo desmascaradas.

Seria satisfatório declarar que as pessoas nascem livres e iguais em direitos e obrigações? A história provou que não. Os direitos de liberdade só cobram sentido se acompanhados de mínimas condições materiais para o respectivo gozo, ou, em outras palavras, não existe liberdade desatrelada de emancipação econômica. Admiti-lo seria um exercício de puro cinismo.

Foi, portanto, com o propósito de assegurar as condições materiais indispensáveis ao pleno exercício das liberdades que se engendraram os direitos sociais. Assim, por exemplo, como admitir-se a liberdade de expressão sem o oferecimento de uma educação crítica?

Resulta claro que o conteúdo daquela liberdade estaria complemente esvaziado, redundando em mero adorno para regozijo dos povos ditos "civilizados". Eis porque se chegou à conclusão de que sem o reconhecimento do caráter interdependente e complementário dos direitos fundamentais teríamos apenas um simulacro de proteção da dignidade humana (4).

Na Constituição brasileira, arrolam-se os direitos fundamentais à luz da tradicional classificação que os aparta em direitos individuais, direitos sociais e direitos políticos. No artigo 6º da Constituição Federal declara-se, solenemente, que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistências aos desamparados.

Apesar deste empenho classificatório, basta uma leitura da Constituição de 1988 para concluir-se que não há qualquer diferença de regime jurídico entre as citadas categorias de direitos fundamentais, ou seja, embora o Constituinte tenha classificado os direitos fundamentais, não estabeleceu que certos direitos fundamentais seriam, a priori, menos consistentes ou que teriam menos garantias que outros.

Se assim o é, como explicar então afirmações de que os direitos individuais e políticos seriam plena e imediatamente exigíveis, ao passo que os direitos sociais dependeriam de intervenção do legislador, de que não gerariam por si sós pretensões contra o Estado, de que seriam princípios de justiça, meras normas programáticas? (5)

O Professor Gerardo Pisarello, ao criticar as diversas perspectivas de análise dos direitos sociais, oferece-nos valiosas considerações a este respeito (6). De uma perspectiva histórica, muitos equívocos defluiriam do caráter linear e excludente que subjaz às leituras geracionais dos direitos, nas quais os direitos sociais são considerados como de reconhecimento tardio e sempre posterior aos direitos civis e políticos, em desatenção à complexidade ínsita aos processos de afirmação dos direitos. Sob um ângulo filosófico, costuma-se hierarquizar, em termos axiológicos, os direitos fundamentais, subalternizando os direitos sociais em relação aos direitos civis e políticos, sob o argumento de que estes estariam mais estreitamente vinculados a bens fundamentais da pessoa.

Geralmente associada a esta visão também estaria a falsa disjunção consistente em que a implementação dos direitos fundamentais pressuporia uma opção: ou se está com direitos individuais, em detrimento dos direitos sociais; ou se está com os direitos sociais, em detrimento dos direitos individuais. Já sob perspectiva teórica, a erronia estaria na convicção de que entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais mediaria uma insuperável diferença estrutural da qual resultaria, naturalmente, a debilidade dos direitos sociais. Os direitos individuais se apresentariam como direitos negativos, não onerosos e de fácil proteção, enquanto que os direitos sociais seriam direitos positivos, custosos e sempre condicionados às reservas orçamentárias.

Finalmente, a partir de uma ótica dogmática, fortemente influenciada pela suposta diferença estrutural entre os direitos fundamentais, os direitos sociais não seriam autênticos direitos fundamentais, pois desprovidos das garantias reservadas aos direitos individuais, o que significaria a livre configuração dos direitos sociais pelo legislador e a sua debilitada justiciabilidade (7).

Ocioso observar que este exemplário de idéias sobre os direitos sociais é forjado e empregado - confessada ou inconfessadamente, consciente ou inconscientemente - segundo uma matriz ideológica. A ninguém se afigura como novidade o fato de que os direitos sociais traduzem a antítese do neoliberalismo. Friedrich Hayek, um dos arautos do movimento neoliberal, averbava sem cerimônias: "A crença reinante na ‘justiça social’ é provavelmente, em nossos dias, a mais grave ameaça à maioria dos valores de uma civilização livre" (8). É, portanto, no contexto da ideologia neoliberal que encontramos uma explicação aceitável para a dura resistência que enfrentam os direitos sociais.

Mas se no neoliberalismo encontramos a explicação para o fenômeno de que nos ocupamos, as armas para combatê-lo, diferentemente, devem ser buscadas no próprio Direito. Parece-nos que uma rigorosa e conseqüente dogmática (9) dos direitos fundamentais, fundada na ordem constitucional vigente, ostenta uma virtuosa potencialidade, ainda subestimada, de afugentar os aludidos preconceitos que impedem a plena realização dos direitos sociais.

Tendo em vista que nos estreitos limites desta investigação não nos é dado desenvolver com a desejada profundidade esta proposta, limitar-nos-emos a apontar algumas conseqüências dela advindas.

Com efeito, de plano estaria afastada a discussão política sobre a conveniência dos direitos sociais ou sobre os deveres do Estado brasileiro para com a justiça social. Nos quadrantes da Constituição de 1988, é dizer, em termos dogmático-jurídicos, seriam discussões cerebrinas e de todo inúteis (10). Isto porque os direitos sociais estão previstos como direitos fundamentais - vinculantes, portanto, e inseridos no núcleo imodificável da

Constituição - e ao Estado brasileiro foi assinado como um de seus objetivos fundamentais a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I, da Constituição), na qual a ordem econômica "tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".

Repugnaria, de igual modo, a importação irrefletida de modelos jurídicos incompatíveis com a ordem constitucional brasileira, especialmente dos sistemas alemão e estadunidense. Basta mencionar o fato de que nestes dois países as Constituições não apresentam um elenco de direitos sociais, o que, naturalmente, não deixa de ter conseqüências jurídicas (11).

Também ruiria com facilidade a tão proclamada distinção segundo a qual os direitos individuais seriam direitos "negativos", de defesa, ao passo que os direitos sociais seriam direitos "positivos", de natureza prestacional. Não demanda grande esforço constatar que assim como se apresentam direitos classificados como individuais de dimensão nitidamente prestacional - exemplo do direito à assistência jurídica integral e gratuita previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição -, há direitos qualificados como sociais de feição estritamente "negativa" - exemplo do direito de greve previsto no art. 9º da Constituição. Acresça-se ainda a natureza "dúplice" de muitos direitos fundamentais, os quais revelam, ao mesmo tempo, direitos de prestação e direitos de abstenção.

Assim, o direito à moradia não se esgota no direito a aceder a uma moradia digna, senão que implica também no direito a não ser desalojado de maneira arbitrária; o direito à saúde, igualmente, não se reduz à prestação estatal de tratamento médico, já que inclui o direito à integridade física.

Por fim, o reconhecimento de que, à luz da Constituição brasileira, todos os direitos fundamentais têm igual dignidade - sendo imprestável em termos jurídicos a classificação constitucional dos direitos fundamentais, reflexo da tradição e não da ciência -, conduziria à seminal discussão sobre a estratégia de positivação de cada um deles, ou seja, o específico modo pelo qual a Constituição outorgou o direito fundamental, evitando os apriorismos que, conforme vimos, sempre militam em desfavor dos direitos sociais. Esta idéia, aliás, não se reveste de qualquer novidade. Já no ano de 1982 o eminente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello cuidava de todos os direitos fundamentais sob perspectiva unitária, propondo uma classificação das normas constitucionais quanto à imediata geração de direitos para os administrados (12).

Iniciamos com Bobbio e com ele encerramos nosso ensaio: "Poder-se-iam multiplicar os exemplos de contraste entre as declarações solenes e sua consecução, entre a grandiosidade das promessas e a miséria das realizações. Já que interpretei a amplitude que assumiu atualmente o debate sobre os direitos do homem como um sinal de progresso da humanidade, não será inoportuno repetir que esse crescimento moral não se mensura pelas palavras, mas pelos fatos. De boas intenções, o inferno está cheio". (13)

NOTAS

1. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.
2. Sem desconhecer situações em que os textos legislativos são manejados, de modo sub-reptício, para adiar, em vez de reforçar, a efetivação de um direito (NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007).
3. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 178.
4. Como adverte judiciosamente Carlos Roberto Siqueira Castro, sem o mínimo assegurado pelos direitos sociais, esvazia-se a maioria das normas constitucionais, ou melhor, cinde-se a eficácia social da Constituição, que passa a operar seletivamente, efetivando-se para uma minoria (A Constituição aberta e os direitos fundamentais: ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 281).
5. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol. V, 3ª ed., p. 411.
6. Los derechos sociales y sus garantías: elementos para una reconstrucción. Madri: Trotta, 2007.
7. Queremos dizer com "justiciabilidade", em termos singelos, a possibilidade de um direito receber proteção do Poder Judiciário.
8. HAYEK, Friedrich A. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política, vol. II. São Paulo: Visão, 1985, p. 85.
9. O pensamento dogmático, nos confins do Direito, traduz-se naquele pensamento fechado à problematização dos seus pressupostos, a fim de cumprir sua função de criar condições para a decidibilidade de conflitos
(FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 85).
10. Nunca é demais salientar que a Constituição não é um breviário de boas intenções. Tudo que nela se inscreve obriga a todos, Estado e particulares, não cabendo ao intérprete "selecionar", segundo suas convicções políticas, quais normas constitucionais merecem aplicação.
11. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora: 2010, pp. 71-75.
12. Trata-se do célebre texto da palestra sobre "Aplicabilidade das Normas Constitucionais sobre Justiça Social", recentemente convertido, com ligeiros acréscimos e atualizações, no livro denominado "Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais" (São Paulo: Malheiros, 2009).
13. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, pp. 63 e 64.

[Publicado na Carta Maior].


* Professor do Curso de Especialização em Direito Administrativo da PUC-SP, Membro do Instituto de Direito Administrativo Paulista - IDAP, da Associação Argentina de Direito Administrativo - AADA e Conselheiro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo

domingo, 28 de novembro de 2010

Uma guerra pela regeografização do Rio de Janeiro. Entrevista especial com José Cláudio Alves

“O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade”. Assim descreve o sociólogo José Cláudio Souza Alves a motivação principal dos conflitos que estão se dando entre traficantes e a polícia do Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, o professor analisa a composição geográfica do conflito e reflete as estratégias de reorganização das facções e milícias durante esses embates. “A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime”, explica.

José Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do Iser Assessoria..

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que está por trás desses conflitos atuais no Rio de Janeiro?

José Cláudio Alves – O que está por trás desses conflitos urbanos é uma reconfiguração da geopolítica do crime na cidade. Isso já vem se dando há algum tempo e culminou na situação que estamos vivendo atualmente. Há elementos presentes nesse conflito que vêm de períodos maiores da história do Rio de Janeiro, um deles é o surgimento das milícias que nada mais são do que estruturas de violência construídas a partir do aparato policial de forma mais explícita. Elas, portanto, controlarão várias favelas do RJ e serão inseridas no processo de expulsão do Comando Vermelho e pelo fortalecimento de uma outra facção chamada Terceiro Comando. Há uma terceira facção chamada Ada, que é um desdobramento do Comando Vermelho e que opera nos confrontos que vão ocorrer junto a essa primeira facção em determinadas áreas. Na verdade, o Comando Vermelho foi se transformando num segmento que está perdendo sua hegemonia sobre a organização do crime no Rio de Janeiro. Quem está avançando, ao longo do tempo, são as milícias em articulação com o Terceiro Comando.

Um elemento determinante nessa reconfiguração foi o surgimento das UPPs a partir de uma política de ocupação de determinadas favelas, sobretudo da zona sul do RJ. Seus interesses estão voltados para a questão do capital do turismo, industrial, comercial, terceiro setor, ou seja, o capital que estará envolvido nas Olimpíadas. Então, a expulsão das favelas cariocas feita pelas UPPs ocorre em cima do segmento do Comando Vermelho. Por isso, o que está acontecendo agora é um rearranjo dessa estrutura. O Comando Vermelho está indo agora para um confronto que aterroriza a população para que um novo acordo se estabeleça em relação a áreas e espaços para que esse segmento se estabeleça e sobreviva.

IHU On-Line – Mas, então, o que está em jogo?

José Cláudio Alves – Não está em jogo a destruição da estrutura do crime, ela está se rearranjando apenas. Nesse rearranjo quem vai se sobressair são, sobretudo, as milícias, o Terceiro Comando – que vem crescendo junto e operando com as milícias – e a política de segurança do Estado calcada nas UPPs – que não alteraram a relação com o tráfico de drogas. A mídia nos faz crer – sobretudo a Rede Globo está empenhada nisso – que há uma luta entre o bem e o mal. O bem é a segurança pública e a polícia do Rio de Janeiro e o mal são os traficantes que estão sendo combatidos. Na verdade, isso é uma falácia. Não existe essa realidade. O que existe é essa reorganização da estrutura do crime.

A realidade do RJ exige hoje uma análise muito profunda e complexa e não essa espetacularização midiática, que tem um objetivo: escorraçar um segmento do crime organizado e favorecer a constelação de outra composição hegemônica do crime no RJ.

IHU On-Line – Por que esse confronto nasceu na Vila Cruzeiro?

José Cláudio Alves – Porque a partir dessa reconfiguração que foi sendo feita das milícias e das UPPs (Unidades de Policiamento Pacificadoras), o Comando Vermelho começou a estabelecer uma base operacional muito forte no Complexo do Alemão. Este lugar envolve um conjunto de favelas com um conjunto de entradas e saídas. O centro desse complexo é constituído de áreas abertas que são remanescentes de matas. Essa estruturação geográfica e paisagística daquela região favoreceu muito a presença do Comando Vermelho lá. Mas se observarmos todas as operações, veremos que elas estão seguindo o eixo da Central do Brasil e Leopoldina, que são dois eixos ferroviários que conectam o centro do RJ ao subúrbio e à Baixada Fluminense. Todos os confrontos estão ocorrendo nesse eixo.

IHU On-Line – Por que nesse eixo, em específico?

José Cláudio Alves – Porque, ao longo desse eixo, há várias comunidades que ainda pertencem ao Comando Vermelho. Não tão fortemente estruturadas, não de forma organizada como no Complexo do Alemão, mas são comunidades que permanecem como núcleos que são facilmente articulados. Por exemplo: a favela de Vigário Geral foi tomada pelo Terceiro Comando porque hoje as milícias controlam essa favela e a de Parada de Lucas a alugam para o Terceiro Comando. Mas ao lado, cerca de dois quilômetros de distância dessa favela, existe uma menor que é a favela de Furquim Mendes, controlada pelo Comando Vermelho. Logo, as operações que estão ocorrendo agora em Vigário Geral, Jardim América e em Duque de Caxias estão tendo um núcleo de operação a partir de Furquim Mendes. O objetivo maior é, portanto, desmobilizar e rearranjar essa configuração favorecendo novamente o Comando Vermelho.

Então, o combate no Complexo do Alemão é meramente simbólico nessa disputa. Por isso, invadir o Complexo do Alemão não vai acabar com o tráfico no Rio de Janeiro. Há vários pontos onde as milícias e as diferentes facções estão instaladas. O mais drástico é que quem vai morrer nesse confronto é a população civil e inocente, que não tem acesso à comunicação, saúde, luz... Há todo um drama social que essa população vai ser submetida de forma injusta, arbitrária, ignorante, estúpida, meramente voltada aos interesses midiáticos, de venda de imagens e para os interesses de um projeto de política de segurança pública que ressalta a execução sumária. No Rio de Janeiro a execução sumária foi elevada à categoria de política pública pelo atual governo.

IHU On-Line – Em que contexto geográfico está localizado a Vila Cruzeiro?

José Cláudio Alves – A Vila Cruzeiro está localizada no que nós chamamos de zona da Leopoldina. Ela está ao pé do Complexo do Alemão, só que na face que esse complexo tem voltada para a Penha. A Penha é um bairro da Leopoldina. Essa região da Leopoldina se constituiu no eixo da estrada de ferro Leopoldina, que começa na Central do Brasil, passa por São Cristóvão e dali vai seguir por Bom Sucesso, Penha, Olaria, Vigário Geral – que é onde eu moro e que é a última parada da Leopoldina e aí se entra na Baixada Fluminense com a estação de Duque de Caxias.

Esse “corredor” foi um dos maiores eixos de favelização da cidade do Rio de Janeiro. A favelização que, inicialmente, ocorre na zona sul não encontra a possibilidade de adensamento maior. Ela fica restrita a algumas favelas. Tirando a da Rocinha, que é a maior do Rio de Janeiro, os outros complexos todos – como o da Maré e do Alemão – estão localizados no eixo da zona da Leopoldina até Avenida Brasil. A Leopoldina é de 1887-1888, já a Avenida Brasil é de 1946. É nesse prazo de tempo que esse eixo se tornou o mais favelizado do RJ. Logo, a Vila Cruzeiro é apenas uma das faces do Complexo do Alemão e é a de maior facilidade para a entrada da polícia, onde se pode fazer operações de grande porte como foi feita na quinta-feira, dia 25-11. No entanto, isso não expressa o Complexo do Alemão em si.

A Maré fica do outro lado da Avenida Brasil. Ela tem quase 200 mil habitantes. Uma parte dela pertence ao Comando Vermelho, a outra parte é do Terceiro Comando. Por que não se faz nenhuma operação num complexo tão grande ou maior do que o do Alemão? Ninguém cita isso! Por que não se entra nas favelas onde os o Terceiro Comando está operando? Porque o Terceiro Comando já tem acordo com as milícias e com a política de segurança. Por isso, as atuações se dão em cima de uma das faces mais frágeis do Complexo do Alemão, como se isso fosse alguma coisa significativa.

IHU On-Line – Estando a Vila Cruzeiro numa das faces do Complexo, por que o Alemão se tornou o reduto de fuga dos traficantes?

José Cláudio Alves – A estrutura dele é muito mais complexa para que se faça qualquer tipo de operação lá. Há facilidade de fuga, porque há várias faces de saída. Não é uma favela que a polícia consegue cercar. Mesmo juntando a polícia do RJ inteiro e o Exército Nacional jamais se conseguiria cercar o complexo. O Alemão é muito maior do que se possa imaginar. Então, é uma área que permite a reorganização e reestruturação do Comando Vermelho. Mas existem várias outras bases do Comando Vermelho pulverizadas em toda a área da Leopoldina e Central do Brasil que estão também operando.

Mesmo que se consiga ocupar todo o Complexo do Alemão, o Comando Vermelho ainda tem possibilidades de reestruturação em outras pequenas áreas. Ninguém fala, por exemplo, da Baixada Fluminense, mas Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo são áreas que hoje estão sendo reconfiguradas em termos de tráfico de drogas a partir da ida do Comando Vermelho para lá.

Por exemplo, um bairro de Duque de Caxias chamado Olavo Bilac é próximo de uma comunidade chamada Mangueirinha, que é um morro. Essa comunidade já é controlada pelo Comando Vermelho que está adensando a elevação da Mangueirinha e Olavo Bilac já está sentindo os efeitos diretos dessa reocupação. Mas ninguém está falando nada sobre isso.

A realidade do Rio de Janeiro é muito mais complexa do que se possa imaginar. O Comando Vermelho, assim como outras facções e milícias, estabelece relação direta com o aparato de segurança pública do Rio de Janeiro. Em todas essas áreas há tráfico de armas feito pela polícia, em todas essas áreas o tráfico de drogas permanece em função de acordos com o aparato policial.

IHU On-Line – Podemos comparar esses traficantes que estão coordenando os conflitos no RJ com o PCC, de São Paulo?

José Cláudio Alves – Só podemos analisar a história do Rio de Janeiro, fazendo um retrospecto da história e da geografia. O PCC, em São Paulo, tem uma trajetória muito diferente das facções do Rio de Janeiro, tanto que a estrutura do PCC se dá dentro dos presídios. Quando a mídia noticia que os traficantes no Rio de Janeiro presos estão operando os conflitos, leia-se, por trás disso, que a estrutura penitenciária do Estado se transformou na estrutura organizacional do crime. Não estou dizendo que o Estado foi corrompido. Estou dizendo que o próprio estado em si é o crime. O mercado e o Estado são os grandes problemas da sociedade brasileira. O mercado de drogas, articulado com o mercado de segurança pública, com o mercado de tráfico de drogas, de roubo, com o próprio sistema financeiro brasileiro, é quem tem interesse em perpetuar tudo isso.

A articulação entre economia formal, economia criminosa e aparato estatal se dá em São Paulo de uma forma diferente em relação ao Rio de Janeiro. Expulsar o Comando Vermelho dessas áreas interessa à manutenção econômica do capital. O que há de semelhança são as operações de terror, operações de confronto aberto dentro da cidade para reestruturar o crime e reorganizá-lo em patamares mais favoráveis ao segmento que está ganhando ou perdendo.

IHU On-Line – Como o senhor avalia essa política de instalação das UPPs – Unidades de Policiamento Pacificadoras nas favelas do Rio de Janeiro?

José Cláudio Alves – É uma política midiática de visibilidade de segurança no Rio de Janeiro e Brasil. A presidente eleita quase transformou as UPPs na política de segurança pública do país e quer reproduzir as UPPs em todo o Brasil. A UPP é uma grande farsa. Nas favelas ocupadas pelas UPSs podem ser encontrados ex-traficantes que continuam operando, mas com menos intensidade. A desigualdade social permanece, assim como o não acesso à saúde, educação, propriedade da terra, transporte. A polícia está lá para garantir o não tiroteio, mas isso não garante a não existência de crimes. A meu ver, até agora, as UPPs são apenas formas de fachada de uma política de segurança e econômica de grupos de capitais dominantes na cidade para estabelecer um novo projeto e reconfiguração dessa estrutura.

IHU On-Line – A tensão no Rio de Janeiro, neste momento, é diferente de outros momentos de conflito entre polícia e traficantes?

José Cláudio Alves – Sim, porque a dimensão é mais ampla, mais aberta. Dizer que eles estão operando de forma desarticulada, desesperada, desorganizada é uma mentira. A estrutura que o Comando Vermelho organiza vem sendo elaborada há mais de cinco anos e ela tem sido, agora, colocada em prática de uma forma muito mais intensa do que jamais foi visto.

A grande questão é saber o que se opera no fundo imaginário e simbólico que está sendo construído de quem são, de fato, os inimigos da sociedade fluminense e brasileira. Essa questão vai ter efeitos muito mais venosos para a sociedade empobrecida e favelizada. É isso que está em jogo agora.
A violencia que o brasil vive hoje nada mais é do que o resultado do abandono da população pelos governantes. A chamada "oposição" que nada mais é do que a direita que desgovernou nosso país por séculos para poucas pessoas o que fizeram??????
Vitória arrasadora do Rio
no Alemão cria constrangimento
Publicado em 28/11/2010

O ordinário blogueiro entrevista Fuzileiros Navais
A retomada do território do Alemão pelas forças da Lei durou das 8h da manhã às 9h30 da manhã deste domingo.

Foram cerca de 1200 homens e carros anfíbios, blindados, e helicópteros numa ação coordenada pelo exemplar policial federal José Mariano Beltrame, Secretário de Segurança do Rio.

Os traficantes tinham fugido da Vila Cruzeiro para o Alemão.

As 44 saídas do Alemão foram fechadas.

Os traficantes ficaram presos lá dentro.

E as forças do delegado Beltrame, aos poucos, identificarão os criminosos e as áreas em que armazenavam drogas e armamento.

Este ordinário blogueiro entrevistou Beltrame para o Domingo Espetacular, e ele informou que tropas federais manterão a ocupação do Alemão e da Vila Cruzeiro até que novos policiais militares sejam formados e possam instalar as UPPs.

Nunca dantes na história deste país houve uma ação tão extensa, maciça e fulminantemente eficaz quanto esta no Rio de Janeiro.

A vitória de Sérgio Cabral e Beltrame cria inevitáveis constrangimentos.

Mostra, de forma escancarada, que nenhum governante pode mais fechar os olhos, sentar em cima das mãos, conciliar, ou fazer acordo secreto com o crime organizado.

O Rio de Janeiro era e é uma área de forte consumo e tráfico de droga.

Mas não é a única.

E um dia e, um dia, a casa cai.

O crime organizado vai para a rua, queima ônibus, atira em postos da polícia, tranca ruas e cospe na cara do governante.

Sérgio Cabral e Beltrame demonstraram que é possível enfrentar o crime organizado.

Só não enfrenta que fez acordo com ele ou dele tem medo.


Paulo Henrique Amorim

Rosângela e a História do Brasil

Rosângela e a História do Brasil
Jornal do Povo, Cachoeira do Sul-RS. edição de 27/11/2010


Ela morreu em novembro de 2010, aos 14 anos, estudando, na favela em que vivia com a família

por Leandro Cruz
Gente de monte, como formiguinhas, deixando suas casas rumo a campos de refugiados (escolas e quadras). Gente correndo. Gente com medo. Gente chorando. Gente morrendo. Gente empolgada com o espetáculo. Gente angustiada. Tinha também helicópteros. Blindados. A Marinha participando da ocupação de um bairro da Antiga Capital. Rio, a um mês do Natal de 2010 d.C.

Num canal da TV debatem os impactos da crise para a economia. Estão preocupados com o dinheiro que os patrões não ganharam porque nessa quinta-feira muitos trabalhadores não compareceram no emprego. Falam das bolsas, da imagem do país lá fora. O outro canal mostra horas e horas contínuas de transmissão ao vivo, como se tudo não passasse de um Counter Strike real, só que narrado por algum apresentador mais empolgado que o Galvão Bueno.
Numa matéria curta, citam o nome de Rosângela Alves, uma menina de 14 anos que foi morta dentro de casa. Ela estava estudando... Ela nem viu sua "hora da estrela". A nota sobre as pessoas tem poucos segundos. Logo entram os comerciais.

A TV repete pela boca dos anunciantes e das autoridades: continuem trabalhando e consumindo normalmente. Volta a imagem de helicóptero. Corta aqui. Corta ali. "Olha ali na laje: os bandidos!". Entra uma matéria de "recapitulação" em que o repórter diz: "O confronto entre as forças do Estado e os bandidos no Rio começou na última semana, quando integrantes de facções criminosas iniciaram uma série de ataques a batalhões da Polícia, além de atos de terror como o incêndio de dezenas de carros pela cidade".
Acho bem estranho essa cobertura. Quando há guerra em outros países, em lugares distantes, a mídia acaba mostrando, pelo menos um pouco, as raízes históricas do conflito. Durante a segunda intifada, por exemplo, falaram, ainda que de passagem, do significado da Mesquita de Al Aqsa, do Plano de Partilha da ONU, da Guerra dos Seis Dias e da do Dia do Perdão. Em programas mais aprofundados, falaram de como os romanos destruíram Jerusalám, do Holocausto e, de passagem, do Sionismo.
Eu não consigo entender uma coisa: quando a guerra é aqui no Brasil, o retrospecto começa a partir da semana passada. Como se tudo tivesse começando agora. Meu pensamento volta para Rosângela. A foto dela apareceu na TV por menos de cinco segundos. Disseram que, quando a bala atravessou seu peito, ela estava estudando. Não deram detalhes. Penso: “Será que ela estava estudando História?”. Será que deu tempo de ela chegar até que parte? Será que ela entendeu onde estava inserida historicamente antes de morrer. Será que ela leu sobre como seus ancestrais vieram parar no Brasil?

Será que ela chegou na parte em que a herdeira do trono libertou os escravos e começava a traçar um plano de reforma agrária para assentar os ex-cativos, mas aí veio o Exército a serviço dos “donos” de terra e dinheiro (ex-donos das pessoas pretas), no novembro de 1889, e botou a princesa pra correr com seu pai e suas ideias? Será que ela chegou na parte que Exército e ricos, se revezando no poder, começaram importar pobres de outras partes do mundo para trabalhar, deixando os ex-escravos e sua descendência sem espaço no sistema produtivo dominante? Será que ela chegou na parte em que esses negros, sem terem para onde ir, foram tentar achar um canto na capital da República recém-declarada e aí acabaram se amontoando em casas e até estrebarias chamadas de cortiço? Será que ela chegou na parte do governo Rodrigues Alves e da reforma urbana do Rio, que demoliu os cortiços e levou seus ex-moradores a construírem barracos nos morros no começo do século passado?
Será que, antes de Rosângela ser morta, ela aprendeu sobre um certo presidente vindo do Sul que discursou na cidade dela, falando de redistribuição de riqueza e dos meios de produção (igual planejava a princesinha), mas aí vieram o Exército e os donos da riqueza e derrubaram o cara? Ela devia ser uma menina esforçada. Estava estudando enquanto acontecia um tiroteio. Será que era para mudar as coisas no lugar onde vivia? Será que era pra sair dali? O fato é que, se ela continuasse estudando, poderia juntar as partes do quebra-cabeça.
Muitos dos meninos da idade dela não entenderam a história e pegaram em armas sem entender de onde vem o tiro. Os soldados do morro morrem cedo. Muitos não chegam aos 20 anos ou na página 20 do livro de história. Pegam em armas para inserir-se na lógica econômica do mundo em que vivemos. Pegam em armas por seus patrões, os traficantes, que na verdade são agora só mais um grupo de capitalistas dentro desse sistema econômico, mas fora da legalidade. Então eles pegam em armas para terem dinheiro, comida, drogas, tênis importado, MP3, a admiração das pessoas. Enfim, os marginalizados que não entenderam a história só querem ser burgueses, pois eles não chegaram até a página ou o dia em que entenderiam de onde vem o tiro.
Como agora vão dizer que o problema é simplesmente a droga, disseram que o problema 100 anos atrás era simplesmente a vacina. Penso que, ainda que tivesse tido tempo de ler o livro todo, Rosângela não encontraria uma página falando de quando o Exército e os donos da riqueza, que haviam derrubado a tal ideia da redistribuição mais uma vez, começaram a mandar passadores de maconha, ladrões, assaltantes e vendedores de Rolex (contrabandeados, falsificados ou roubados),

quase todos pretos, para o presídio da Ilha Grande. Não é que arrancaram a página, é que simplesmente não devia estar no livro, porque não cai no Enem que na Ilha Grande eles foram torturados. Mas aí - também não devia dizer o livro - os presos comuns aprenderam com os presos políticos a se organizarem, se unirem, terem um caixa comum, fazerem ações coletivas e colaborativas.
A Ilha Grande foi uma escola - de estratégia de guerrilha e organização. Mas pelo jeito não ensinaram a história. Erro fatal dos presos políticos. Num raro encontro entre intelectuais e miseráveis, não lecionaram de onde vinha o tiro. Será que Rosângela, morta na última quinta, aos 14 anos, durante a tomada pelos militares da favela em que morava, chegou na página que falava da volta da democracia nos anos 80? Se chegou, pode não ter entendido que os donos das coisas só deixaram eleições aconteceram quando viram que dava pra continuar no poder simplesmente não contando a história toda na TV, nem deixando as pessoas aprenderem estudando.
Deu tempo de Rosângela entender onde ela estava na história? Deu tempo de ela entender que não existe bala perdida, que todas vieram de algum lugar... De algum lugar do passado? Sei que não deu tempo de ela ler no jornal as autoridades declarando “Vila Cruzeiro agora é do Estado”. E não deu tempo de ela levantar a mão e perguntar: “Professora, de quem é o Estado?”.

O jornalismo desonesto e o mito do “crime organizado”

Por Gustavo Barreto em 25/11/2010

O “Jornal da Globo” fechou com chave de ouro o dia de uma emissora empenhada em assustar e desinformar o público, enquanto outras emissoras e rádios acompanharam a tática do pânico. A velha técnica do “Mantenham a calma” seguido de imagens impactantes da violência no Rio de Janeiro é a melhor forma, do ponto de vista da cultura do medo que tenta se impor, de pôr em ação esse objetivo. É como você dizer “Fique à vontade” quando recebe alguém pouco conhecido em sua casa, provocando o efeito contrário. Neste caso é bem pior: trata-se do imaginário social de um conjunto de milhões de brasileiros que está em jogo. E neste caso há consequências políticas.

Não há dúvidas de que (1) o índice de criminalidade no Rio é muito alto, inaceitável, e que (2) a lógica que rege o projeto da polícia comunitária, que esse governo chama da “UPP” e que outros governos já tentaram com outros nomes, é um bom caminho, desde que proponha de fato a participação da comunidade no processo decisório e que seja mais amplo. Atualmente é um conjunto de projetos-piloto.

No entanto, estratégias diversas estão em jogo. A saber:

A. O Governo do Estado, principalmente por meio do governador Sergio Cabral, tenta capitalizar a crise politicamente. Aparece como o “líder destemido” que as pessoas assustadas das classes A e B exigem nessa hora. Ao mesmo tempo, desvia a atenção da plena incompetência do governo nas áreas de educação e saúde – incluindo a recente busca e apreensão na casa de Cesar Romero, o ex-subsecretário-executivo de Saúde, primo da mulher do secretário Sérgio Côrtes e braço direito dele na secretaria. A acusação: fraude em licitação ao contratar manutenção de ambulâncias superfaturada em mais de 1.000%;

B. Setores mais violentos da Polícia Militar – a banda podre que não quer saber de papo de UPP – ganham carta branca, por conta do clima de medo, para fazer suas velhas e conhecidas “incursões” nas favelas, a política burra do confronto com o “crime organizado”, vitimando cidadãos inocentes e realizando execuções sumárias de suspeitos. O Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, chama isso de “efeito colateral”, enquanto jornalistas passam uma coletiva de imprensa inteira perguntando apenas por “números” e trajetos da PM e do BOPE;

C. Os principais chefes da Polícia Militar do Rio de Janeiro e a Secretaria de Segurança Pública vendem a tese deplorável de que os atentados são uma “reação às políticas das UPPs”, e a velha mídia simplesmente engole. O curioso é que as UPPs estão presentes em 13 favelas, de um universo de 1.000 existentes no Rio e região metropolitana. Imagina quando chegarem a 20, 30! Melhor mudar para Miami de uma vez;

D. A mídia cria uma dinâmica do medo a partir de absurdos sociológicos, como afirmar que o “crime organizado” atual surgiu do encontro entre presos comuns e presos políticos nos anos 70 (tentando vincular militantes de esquerda a traficantes de drogas); separar a cidade em esquemas tipos “eles-nós”, como fez Arnaldo Jabor, ao afirmar que “é preciso apoio da população, principalmente da Zona Sul, pois a periferia já mora dentro da violência” (JG, 24/11/2010) e até mesmo mentir descaradamente, afirmando por exemplo que os “índices de criminalidade estão estagnados no Rio” (editorial de William Waack), o que é mentira, conforme atesta até mesmo um dos maiores críticos do Governo do Estado, o sociólogo Ignácio Cano. Pouco importa para o jornalismo desonesto: o que está em questão é reafirmar o discurso vazio do “A que ponto chegamos!” e o elogio ao “endurecimento” das leis e das ações vingativas, como forma de alívio do medo criado. Não adianta nada, conforme apontou este seminário (em especial a fala do Coordenador do Núcleo de Presos da Polinter no Estado do Rio de Janeiro, o delegado da Polícia Civil, Orlando Zaccone).


A "polícia comunitária" do Rio de Janeiro, conhecida como UPP, tem coincidentemente um caminho parecido com o das rotas dos grandes eventos internacionais que se aproximam.
Os interesses, portanto, são complexos tal como os nossos problemas. A Zona Sul (parte dela, aquela à qual o Jabor se refere e da qual faz parte) está tão assustada que não consegue raciocinar. Milhares de pessoas são executadas todo ano no Rio de Janeiro, dados absolutamente grotescos. A cobertura é a mesma? Não. “As pessoas lidam com insegurança no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de violência na cidade, tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge um evento de grande repercussão e vira uma pauta central na cidade, todos discutem, é uma grande catarse”, aponta Ignácio Cano. “Sensação de segurança pública é muito diferente da efetiva segurança”, completa o deputado Marcelo Freixo.

Se fosse de fato uma preocupação, pararia para ler o relatório da CPI das Milícias, concluído no dia 10 de dezembro de 2008. Contém o mapa das milícias, seu funcionamento, seus braços econômicos, a relação do braço político com o braço econômico e o domínio de território. Enquanto as Nações Unidas calculam que o narcotráfico rende 200 mil dólares por minuto, só no domínio das vans no Rio de Janeiro, uma das milícias faturava 170 mil reais por dia. Este é apenas um exemplo.

Crime organizado, portanto, é isso: um negócio bem organizado. O que torna o crime “organizado” é sua capacidade de se organizar, e não de reagir violentamente. “Em qualquer lugar do mundo, o crime organizado está sempre dentro do Estado, e não fora”, aponta o deputado Marcelo Freixo, que relata sua dificuldade quando tentou instituir a referida CPI neste depoimento.

O pior é que o número de milícias é, hoje, maior do que em 2008. “O número de territórios dominados por milícias hoje é maior do que o número de territórios dominados pelo varejo da droga”, comenta Freixo. “Eu estranho o silêncio desse governo em relação às milícias, dizendo que o Rio está pacificado, diante do crescimento das milícias”.

E o poder público tampouco ajuda. O relatório foi entregue pelos membros da CPI nas mãos do prefeito Eduardo Paes. Solicitaram, por exemplo, que a licitação das vans fosse feita individualmente e não por cooperativas. “O prefeito acaba de fazer licitação por cooperativas e não individualmente”, denunciou Freixo.

Outro fator que aponta o descaso do poder público é o descaso com os serviços sociais que deveriam acompanhar o processo de “pacificação”. “Eu estive no Chapéu Mangueira e na Babilônia. Além da polícia, não há lá qualquer braço do Estado. A creche mal funciona, com o salário atrasado das professoras, o que a Prefeitura não assume. O posto de saúde não tem nenhum médico, nenhum dentista da rede pública do Estado. É mais uma vez a lógica exclusiva da polícia nas favelas – e somente a polícia”, afirmou. O projeto das UPPs está traçando um caminho bem delimitado: setor hoteleiro da Zona Sul, entorno do Maracanã, Zona Portuária e a Cidade de Deus, “única área dominada pelo tráfico em toda Jacarepaguá, que tem o domínio hegemônico das milícias”.

Danem-se as demais regiões que, como ressaltou Jabor, “já moram dentro da violência”.

Uma questão social, de classe

Para quem ainda acha que as questões de classe acabaram, basta comparar a forma como os diversos crimes em nossa sociedade são enfrentados. Para combater crimes financeiros (quando se combate), ninguém entra em agências bancárias rendendo as pessoas e atirando. Nas favelas, áreas com assentamentos humanos extremamente degradados, é diferente.

Um dos “efeitos colaterais”, na expressão de Beltrame, é a estudante Rosângela Alves, de 14 anos. Seu pai Roberto Alves, ironizou a presença dos policiais militares na unidade de saúde com aplausos: “Parabéns a vocês. Parabéns, Beltrame, parabéns, Cabral. Olha o que vocês conseguiram com isso! Matar uma menina que estava em casa! Sabe o que vocês conseguem com essas operações: matar pobres”. Sem conseguir sair de casa por causa do intenso tiroteio, a mãe da menina, Thereza Cristina Barbosa, acusou em relato ao jornal O Dia a polícia de ter disparado o tiro que matou sua filha. “O tiro que atingiu minha casa partiu de baixo para cima. Minha filha está morta, e eu sequer consigo velar o corpo dela”, lamentou ela, por telefone. (Leia aqui e aqui)

Como já apontei, o narcotráfico é um negócio como qualquer outro. E rende bastante: dados conservadores das Nações Unidas estimam que o rendimento líquido é de US$ 400 bilhões ano. Um “freela” para se queimar um carro custa entre R$ 200 e R$ 400. “Falo em ‘varejo de drogas’ na favela, e não de traficantes”, reafirma Freixo, apontando que a ponta do sistema – o 1% que está na favela – não tem projeto de poder e qualquer noção de organização criminal, como apontei. “Nunca participaram de juventude católica, de grêmio estudantil, nunca tiveram qualquer noção de coletividade. Sabe quantas escolas públicas existem no Complexo do Alemão? Duas”.

Conforme afirmou até mesmo um capitão e um dos fundadores do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) – um grupo de policiais fascistas que acreditam que executar sumariamente é uma prática normal, conforme não escondem mesmo em declarações públicas – em uma entrevista hoje (25/11) pela manhã na TV Record: “Os Batalhões da PM não possuem estrutura mínima de inteligência para operar”.


Marcelo Freixo, deputado que trata da segurança há muito tempo, amplia a crítica e denuncia: "Sabe quantas escolas públicas existem no Complexo do Alemão? Duas"
O deputado Marcelo Freixo deu uma entrevista nesta quinta-feira (25/11) na GloboNews afirmando o óbvio: o número de pessoas portando fuzis não chega a 1% dos moradores. Ele costuma ironizar: “Eu gostaria que no parlamento fosse a mesma coisa: menos de 1% envolvido com o crime. Infelizmente não é assim, mas na favela é”. A polícia tem que agir com responsabilidade diante destes cidadãos. Enquanto isso telespectadores igualmente fascistas comentam pela internet: “Tem que entrar mesmo e enfrentá-los”. De quem estamos falando?

Freixo, focado na solução do problema, lembra: “Armas não são produzidas nas favelas. Eles vieram de algum lugar. Quantas ações policiais foram feitas na Baía de Guanabara? Quantas foram realizadas no Porto? Eu não me lembro de nenhuma”. É uma constatação que deixa todos os “notáveis” comentadores políticos envergonhados, pois só sabem falar abobrinhas sobre a “coragem” dos policiais em “enfrentar” o crime organizado. Estão focados na política burra do confronto.

Freixo lembrou ainda, na entrevista de hoje, que essas áreas pertencem ao tráfico de drogas. A área das milícias, conforme descrito anteriormente neste artigo, não foram tocadas – e tão somente por isso não estão reagindo. “Vamos lembrar que esses eventos já aconteceram próximo ao réveillon de 2006. O problema não é esse. A questão é que o setor de inteligência no Rio de Janeiro é muito falho. Para constatar isso basta visitar a DRACO [Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Rio de Janeiro]”, concluiu Freixo.

Agora, muito pertinentemente alguém poderia se perguntar: e os movimentos sociais nisso tudo? Eles não possuem meios para se comunicar, portanto não fazem parte do cenário político. É tão simples quanto é trágico.

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Rio sonha com a paz

Não é de hoje que o carioca sofre com a violência, não se pode culpar o governo do Sérgio Cabral (PMDB), mas uma herança deixa por outras administrações, torna-se visível a preocupação dele e de todos.

Se a sociedade e o Poder Público começassem a resolver este problema desde 1950, quando surgiram os primeiros casos de violência, o Rio não estaria passando por esta dificuldade, entretanto, é notório a fragilidade de políticas sociais de governos do passado, que não investiram no sistema educacional e no aumento de desemprego, ou seja, deixaram de presente o desequilíbrio socioeconômico e o empobrecimento de uma boa parcela da população carioca. Com a chegada do presidente Lula os programas sociais, a construção de novas escolas técnicas e universidades, a geração de emprego e o respeito às comunidades carentes passaram a ser uma realidade. Luiz Inácio Lula da Silva mudou a maneira de governar o Brasil.

Se naquela época tivesse no poder um presidente como Lula, o Rio e outros estados, não sofreriam com a violência, a falta de emprego, a saúde precária, a moradia irregular e alguns problemas básicos já não existiam mais.

Agora não é hora de criticar, mas pedir a Deus a solução de todos os problemas e acreditar em dias melhores. A sociedade carioca não só sonha com paz, mas deve estender as mãos para um mundo solidário, igualitário e menos individualista, assim, as gerações que virão não precisará viver com medo da violência.

Postado por Jornalista Uilque Lopes

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

10 estratégias de manipulação midiática, por Noam Chomsky

O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou uma lista das "10 estratégias de manipulação" através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO
O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. "Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais" (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas').

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES
Este método também é chamado "problema-reação-solução". Cria-se um problema, uma "situação" prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO
Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo "dolorosa e necessária", obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que "tudo irá melhorar amanhã" e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos...

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossíveis para o alcance das classes inferiores.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE
Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto...

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE
Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM
No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o "sistema" tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"Grande" imprensa assume voz da tortura e da ditadura

Ao dar legitimidade a relatos de torturadores e assassinos a chamada “grande imprensa” está assinando definitivamente seu atestado de óbito como instituição democrática. O problema é mais grave do que simplesmente alimentar um terceiro turno de uma eleição que já foi decidida pela vontade soberana do povo. O mais grave é tomar a voz da morte, da violência e do arbítrio como sua! Tomar a voz do torturador como sua e vendê-la à sociedade como se fosse uma informação útil à democracia e ao interesse público. O que seria útil à democracia e ao interesse público neste caso seria publicar o arquivo secreto do comportamento vergonhoso dessa imprensa durante a ditadura. Editorial da Carta Maior.
Editorial - Carta Maior
A chamada “grande imprensa” brasileira envergonha e enfraquece a nossa jovem democracia. O uso da palavra “grande”, neste caso, revela-se cada vez mais inapropriado. Não é grande no sentido da grandeza moral que uma instituição pode ter, posto que enveredou para o domínio da mesquinharia, da manipulação e da ocultação de seus reais interesses. E não é grande também no sentido quantitativo da palavra, uma vez que vem perdendo leitores e público a cada ano que passa. Mais do que isso, vem perdendo credibilidade e aí reside justamente uma das principais ameaças à ideia de democracia e de República. As empresas que representam esse setor se autonomearam porta vozes do interesse público quando o que fazem, na verdade, é defender seus interesses econômicos e os interesses políticos de seus aliados.

Falta de transparência, manipulação da informação e ocultação da verdade constituem o tripé editorial que anima as pautas e as colunas de seus porta vozes de plantão. O repentino e seletivo interesse dessas empresas por uma parte da história do Brasil no período da ditadura militar (que elas apoiaram entusiasticamente, aliás) fornece mais um prova disso. Os seus veículos estão interessados em uma parte apenas da história, como de hábito. Uma parte bem pequena. Mas bem pequena mesmo. Só aquela relacionada ao período em que a presidente eleita Dilma Rousseff esteve presa nos porões do regime militar, onde foi barbaramente torturada. O interesse é denunciar o que a presidente eleita sofreu e pedir a responsabilização dos responsáveis? Não seria esse o interesse legítimo de uma imprensa comprometida, de fato, com a democracia? É razoável, para dizer o mínimo, pensar assim. Mas não é nada disso que interessa à “grande” imprensa.

O objetivo declarado é um só: torturar Dilma Rousseff mais uma vez. Remover o lixo que eles mesmo produziram com seu apoio vergonhoso à ditadura e tentar, de algum modo, atingir a imagem de uma mulher que teve a coragem e a grandeza de oferecer à própria vida em uma luta absolutamente desigual contra a truculência armada e o fascismo político. O compromisso com o resgate da memória do país é zero. Talvez seja negativo. Se fosse verdadeiro e honesto tal compromisso as informações dos arquivos da ditadura contra Dilma e outros brasileiros e brasileiras que usufruíram do legítimo direito da resistência contra uma ditadura não seriam publicadas do modo que estão sendo, como sendo um relato realista do que aconteceu. Esse relato, nunca é demais lembrar, foi escrito pelas mesmas mãos que torturavam, aplicavam choques, colocavam no pau de arara, violentavam e assassinavam jovens cujo crime era resistir a sua perversidade assassina e mórbida.

Ao tomar esses relatos como seus e dar-lhes legitimidade a chamada “grande imprensa” está assinando definitivamente seu atestado de óbito como instituição democrática. O problema é mais grave do que simplesmente alimentar um terceiro turno de uma eleição que já foi decidida pela vontade soberana do povo. O mais grave é tomar a voz da morte, da violência e do arbítrio como sua! Tomar a voz do torturador como sua e vendê-la à sociedade como se fosse uma informação útil à democracia e ao interesse público.

O que seria útil à democracia e ao interesse público neste caso seria publicar o arquivo secreto do comportamento dessa imprensa durante a ditadura. É verdade que a Folha de S.Paulo emprestou carros para transportar presos que estavam sendo ou seriam torturados? Se esse jornal está, de fato, interessado em reconstruir a história recente do Brasil por que não publica os arquivos sobre esse episódio? Por que não publica o balanço de quanto dinheiro ganhou com publicidade e outros benefícios durante os governos militares? Por que o jornal O Globo não publica os arquivos secretos das reuniões (inúmeras) do sr. Roberto Marinho com os generais que pisotearam a Constituição brasileira e depuseram um presidente eleito pelo voto popular?

Obviamente, nenhuma dessas perguntas será motivo de pauta. E a razão é muito simples: essas empresas e seus veículos não estão preocupadas com a verdade ou com a memória. Mais do que isso, a verdade e a memória são obstáculos para seus negócios. Por essa razão, precisam sequestrar a verdade e a memória e apresentar-se, ao mesmo tempo, como seus libertadores. É uma história bem conhecida em praticamente toda a América Latina, onde a imensa maioria dos meios de comunicação desempenhou um papel vergonhoso, aliando-se sistematicamente a ditaduras e a oligarquias decrépitas e sufocando o florescimento da democracia e da justiça social no continente.

Um episódio ocorrido dia 15 de novembro em Florianópolis ilustra bem a natureza e o caráter dessa imprensa. O comentarista da RBS TV, Luiz Carlos Prates, fez um inflamado discurso sobre os acidentes no trânsito dizendo que a culpa é “deste governo espúrio que permitiu que qualquer miserável tivesse um carro”. O governo espúrio em questão é o governo Lula que, por três vezes agora, foi consagrado nas urnas. O que o comentarista da RBS está dizendo, na verdade, resume bem o que a chamada grande imprensa pensa: é espúrio um governo que permita que qualquer miserável tenha um carro; é espúrio um governo que permita que qualquer miserável vote; é espúrio um governo que ousa apontar para um caminho diferente daquele que defendemos.

Durante a campanha eleitoral, essa mesma imprensa, ao mesmo tempo em que acusava o governo e sua candidata de “ameaçar a liberdade de imprensa”, demitia colunistas por crime de opinião, ingressava na justiça para tirar sites do ar e omitia-se vergonhosamente quando o seu candidato e seus aliados censuravam pesquisas, revistas e blogs. Houve alguma censura por parte do governo? Nenhuma, zero. Apenas uma crítica feita pelo presidente da República à cobertura sobre as eleições. Um crime inafiançável.

Não há mais nenhuma razão para palavras mediadas, expectativas ambíguas e estratégias de comunicação esquizofrênicas. Essas mesmas empresas que não se cansam de pisotear a democracia, desrespeitar a verdade e desprezar o povo não se cansam também de sugar milhões de reais todos os anos em publicidade dos governos que acusam de ameaçar sua liberdade. Cinismo, hipocrisia, mentira e autoritarismo: essas são as mãos que embalam o berço dessas corporações que entravam a democracia e a justiça social no Brasil.

Mídia, golpes e tortura

No Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas esse não é o jornalismo brasileiro. O artigo é de Emiliano José.
Emiliano José
Talvez pudéssemos inverter um pouco a ordem das coisas: que tal, ao invés de divulgar o relato de processos do STM sobre pessoas covardemente torturadas, como o faz agora o secretariado da mídia golpista brasileira, perguntássemos sobre qual o papel dessa mesma mídia na implantação da ditadura militar?

Não seria algo elucidativo, educativo para as novas gerações? Que tal compreender a verdadeira natureza de nossa mídia hegemônica para, então, entender por que, nesse momento, usando processos inteiramente submetidos à ordem castrense, ao terror ditatorial, tenta atingir a presidente da República, recentemente eleita, numa espécie de vingança pela derrota que sofreu? Perguntar por que ela não se conforma com essa nova derrota, a terceira derrota da mídia nas últimas eleições, derrotada pela opinião pública brasileira. Com que direito quer um terceiro turno, ilegítimo, revelador apenas de seus ressentimentos?

Eu insisto: no Brasil a Casa Grande não descansa. E a principal voz da Casa Grande no Brasil é a mídia hegemônica, aquele grupo de poucas famílias que se pretende o intérprete da realidade brasileira, apesar de há muito ter deixado de sê-lo. Não vou retroceder muito no tempo. Não vou esmiuçar o papel destacado de nossa mídia na tentativa de golpe contra o presidente Getúlio Vargas. O quartel-general do golpe era permanentemente orientado pela mídia. A mídia hegemônica de então e o golpe já quase consumado foram derrotados pelo suicídio do presidente.
O que pretendo mesmo é refrescar a memória ou informar um pouco que seja sobre o papel de nossa mídia no golpe de 1964. Não se trata apenas de ela ter elaborado todo o discurso que deu sustentação ao golpe contra o presidente Jango Goulart. Não se trata disso somente.

Trata-se do fato, por demais evidente, e há vasto repertório bibliográfico a respeito, de que a mídia participou diretamente das articulações golpistas. Ela derrubou Goulart lado a lado com os militares golpistas. Reuniu-se com eles para preparar o golpe. Não tem como se defender disso. É algo que hoje já pertence à história.

Com isso se quer dizer, e creio que é preciso insistir nisso, que a mídia hegemônica brasileira foi um ator fundamental na construção de uma ditadura sanguinária, terrorista no Brasil, a mesma que vai torturar covardemente homens, mulheres, crianças, que vai desaparecer com pessoas depois de desfigurá-las, provocar suicídios, que será capaz de todas as crueldades, perversidades para garantir a sua continuidade no poder por 21 anos.

A Rede Globo, criada lá pelos finais de 1969, não foi uma simples iniciativa empresarial. Foi um empreendimento político. Com a Rede Globo pretendeu-se unificar o discurso da ditadura, justificar tudo ela pretendesse, inclusive os assassinatos, o terrorismo que ela praticava cotidianamente. Inúmeras vezes assistíamos, no Jornal Nacional, notícias dando conta do atropelamento de companheiros, da morte de um militante por outro, versões montadas pela repressão para justificar a morte nas masmorras da ditadura. A Rede Globo encarnava e ecoava a voz do terror, foi criada para tanto.

E o grupo Globo é apenas parte de toda uma estrutura midiática que deu sustentação à ditadura, embora talvez, então, a parte mais importante. Não é difícil lembrar do terrível, do terrorista general Garrastazu Médici, ditador, que dizia que bastava assistir ao Jornal Nacional para perceber como tudo caminhava às mil maravilhas no Brasil. O Jornal Nacional era o diário oficial da ditadura.

Por isso, não há como nos surpreendermos com a tentativa, canhestra, de tentar desqualificar a presidente Dilma, pinçando aspectos do vasto processo buscado nos arquivos do STM, como a matéria de 19 de novembro, de O Globo. Não nos surpreendemos, mas não há como não nos indignarmos. É a voz da ditadura que volta, são os mesmos métodos que voltam, embora, agora, por impossibilidade, a tortura física não possa voltar.

A um jornalismo sério, que tivesse compromisso com a história, a um jornalismo que tivesse alguma ligação, tênue que fosse, com a idéia de democracia, que se preocupasse com a educação das novas gerações, caberia discutir a monstruosidade da tortura, mostrar o que ela tem de lesa-humanidade, mostrar a necessidade de evitar que ela exista, inclusive nas cadeias brasileiras de hoje. Mostrar que qualquer processo que envolva tortura não merece qualquer crédito. Mas, não.

O jornalismo realmente existente vai pinçar aspectos no processo que eventualmente desgastem a presidente da República. Nos próximos dias, a mídia golpista vai se debruçar sobre isso, podem anotar. É a tentativa do terceiro turno, evidência do ressentimento pela terceira derrota – a mídia perdeu em 2002 e 2006, quando Lula venceu, e perdeu agora, com a vitória de Dilma. Não se conforma, A Casa Grande não descansa.

Nem sei, nem vou procurar saber sobre todo o processo que envolveu a presidente. Escrevi vários livros sobre a ditadura, inclusive sobre Carlos Lamarca e Carlos Marighella, que tangenciam organizações revolucionárias pelas quais a presidente Dilma passou – e que orgulho ter militado em organizações revolucionárias. Não me detive, no entanto, na trajetória específica da presidente Dilma Roussef, nem caberia.

Mas será que os jornalistas que têm feito o papel de pescadores de leads e subleads negativos, de títulos desqualificadores da presidente têm alguma noção do que seja a tortura? Imagino que não, até porque só obedecem ordens, a pauta é previamente pensada, ordenada, e depois se faz a matéria.

Repito aqui o que escrevi em um dos meus livros, valendo-me das contribuições do psicanalista Hélio Pellegrino. A tortura nunca é mero procedimento técnico destinado à coleta rápida de informações. É também isso, mas nunca apenas isso. Ela é a expressão tenebrosa da patologia de todo um sistema social e político, expressão da ditadura militar de então. Ela visa à destruição do ser humano.

À custa de um sofrimento corporal inimaginável, teoricamente insuportável, a tortura pretende separar corpo e mente, instalar a guerra entre um e outro, semear a discórdia entre ambos. O corpo torna-se um inimigo – com sua dor, atormenta o torturado, persegue o torturado. A mente vai para um lado, o corpo sofrido para outro. O torturado fica exposto ao sol e à chuva, ao desabrigo absoluto, sem chão, entregue às ansiedades inconscientes mais primitivas. E apesar disso, tantas vezes, tantos de nós, quando não fomos trucidados e mortos na tortura, resistimos a esse terror, e saímos inteiros, ou quase inteiros, dessa situação-limite.

O que vale um processo feito sob a ditadura? O que valem declarações tiradas sob tortura? Responderia que valem apenas para revelar o que foi o terror, para revelar o que fizeram com as vítimas desse terror. Por que nos impressionamos e nos indignamos tanto com as vítimas do nazi-fascismo, inclusive nossa mídia, impressão e indignação justas, e somos, lá eles como costumam dizer os baianos, tão condescendentes com o terror da ditadura, com as torturas dos assassinos do período 1964-1985?

Eu compreendendo por que a mídia age assim com a nossa memória histórica, e já o disse antes: age assim pela simples razão de que ela tem tudo a ver com a gênese da ditadura, porque dela não pode se apartar, lamentavelmente. Por isso, nos preparemos para a luta dos próximos dias: ela vai buscar nos porões da ditadura o que possa servir aos seus propósitos de lutar contra o governo democrático, republicano e popular da presidente Dilma. E nos encontrará onde sempre estivemos: na luta intransigente, isso mesmo, intransigente, a favor da democracia, dos direitos humanos, e contra toda sorte de crimes contra a humanidade.

(*) Jornalista, escritor.