dezembro 12th, 2010 | Autor: José Comessu, aliás Pequenas Cousas
Se a América nasceu nas ruas. No Japão, os filhos dos dekasseguis serão educados nelas.
Qualquer semelhança com o filme Martin Scorsese não é coincidência.
Filhos de imigrantes econtram na rua a sua verdadeira família.
A estação de Hamamatsu vira o bairro barra pesada de Five Points
Yukio Spinosa do Portal Webnews entrevista o nosso Leonardo DiCaprio, o Daniel Oshiro.
Redação Portal WebNews
Por Yukio Spinosa Foto: Arquivo pessoal
Líder do Grupo Arteiros conta história entre as gangues de Hamamatsu
Daniel Oshiro de Hamamatsu
Quando um jovem brasileiro comete um crime no Japão, não faltam críticos compatriotas para condená-lo e à sua família. Dizem que “os bons pagam pelos maus” e que por culpa de poucos toda a comunidade estrangeira é discriminada.
Porém o sistema que traz brasileiros como mão-de-obra barata e força os pais a trocarem seu tempo por dinheiro, a ineficácia da Educação das escolas japonesas e brasileiras, a formação de guetos brasileiros nos conjuntos habitacionais do governo e comércios e a indiferença da sociedade japonesa para com seus descendentes faz todos cúmplices deste crime.
Hoje trabalhando em fábrica, com postura séria, Daniel Oshiro guarda a verdadeira história do “movimento dekassegui.” Em seu tempo livre dedica-se ao projeto Arteiros, que em parceria a órgãos governamentais ajuda a conscientizar jovens estrangeiros sobre o perigo da entrada no crime.
As últimas realizações do grupo foram palestra em parceria com a polícia de Shizuoka e exibição do filme “Profissão MC” de Alessandro Buzo, o lançamento da coletânea de Rap Nacional “São Paulo is Burning” e no dia 25 de dezembro, a comemoração do Natal Free Hugs no centro de Nagoia.
Com pouca idade Daniel desembarcou no Japão, trazido por seus pais, que vieram trabalhar no início do chamado “movimento decasségui” na década de 90. Ele morou em Guaíba (RS) até os três anos. Depois foi para a Província de Aichi no Japão, voltou com a família ao Brasil, desta vez para Fernandópolis (SP). Retornou ao Japão, estabelecendo-se na cidade de Shimizu (Shizuoka) até os 15 e depois Hamamatsu, a cidade com maior número de brasileiros do arquipélago.
“O que pode ser chamado de “infância” foi só em Hamamatsu, até então não tive contato com pessoas da mesma idade”.
O que poderia acontecer com Daniel é o que aconteceu com muitos de seus amigos e jovens da mesma idade em circunstâncias idênticas. Ausência de planejamento familiar, que leva os adolescentes brasileiros a se unirem em gangues, praticar pequenos furtos, e dar início à vida marginal. Prisões, disputas de território de venda de entorpecentes contra rivais de outras nacionalidades, paternidade precoce, são as consequências do estilo de vida a que os jovens brasileiros foram submetidos.
Em meio a essa realidade, um verso do grupo SNJ (Somos Nós a Justiça), de Guarulhos, Zona Norte de São Paulo o leva a crer que outra vida seria possível.
Portal Webnews: Por que seus pais vieram ao Japão?
Daniel Oshiro: Meu pai inicialmente veio para o Japão em 1990, como qualquer outro decasségui na época. A promessa de poder juntar dinheiro e melhorar a vida no Brasil era o que movia os nikkeis. Infelizmente isso acabou culminando em vários problemas familiares.
Portal Webnews: Como era sua vida nessa época?
Daniel Oshiro: Nessa época dos 14 anos foi quando comecei a andar em Hamamatsu (acompanhado do meu melhor amigo, até hoje). Eramos muitos pelo centro de Hamamatsu e todo fim de semana estavamos por lá. Eramos dividos em várias “galeras”, eu no entando fiquei na que tinha fama pior. Mas era bem diferente do que as pessoas de foram viam. Tinhamos regras não escritas de respeito e solidariedade entre nós. Aquilo tudo pra mim foi a escola da minha vida.
Portal Webnews: O que faziam no centro de Hamamatsu?
Daniel Oshiro: O centro de Hamamatsu era o ponto de encontro. Como Hamamatsu era razoavelmente grande e os brasileiros era concentratos em várias partes, acabávamos nos encontrando sempre na região do centro da cidade. Costumávamos ficar muito perto da estação de Shin-Hamamatsu, ao lado do antigo edifício Forte. Depois de nos reunirmos ali decidíamos o que iríamos fazer, ou ficávamos por lá mesmo, na maioria das vezes. Além do pessoal de Hamamatsu vinha gente de Iwata, Fukuroi, Kakegawa, Yaizu, etc.
Portal Webnews: Porque sua galera tinha má-fama?
Daniel Oshiro: Porque éramos os garotos que ficavam na rua o tempo todo. Tinha a galera que saia pouco, o pessoal das escolas, etc. Mas nós tínhamos fama de se envolver com brigas, roubos, drogas, etc. Muitos de nós fazíamos isso, não todos, obviamente. E também éramos os únicos que se envolvia com o pessoal mais velho, que as vezes estavam envolvidos em delitos mais graves ainda. Mas a aos olhos dos outros nós todos éramos iguais. E apesar da má-fama, éramos populares entre o pessoal da mesma faixa etária.
Portal Webnews: Como conheceu o Hip hop?
Danile Oshiro: Meu primeiro contato foi com o Rap, meu irmão ouvia Public Enemy, Racionais, Gabriel, o Pensador, entre outros. Eu ouvia com ele, até que ele me deu um K-7 do Rap Brasil Volume 1. Depois disso ainda ouvia Pepeu, Racionais, Thaide e Dj Hum, Face da Morte, Realidade Cruel entre outros.
Mas meu interesse mesmo só veio aos 14/15 anos, quando ouvi SNJ e vi que a ideia do “Hip Hop Futurista” combinava mais comigo, do que o “Gangsta Rap “. Foi aí que comecei a pesquisar sobre Hip hop e tive conhecimento da história dos negros pelo mundo. Black Panthers, Afrika Bambaataa, Zumbi, Marthin Luther King Jr., entre outros.
Portal Webnews: O Hip hop te salvou?
Daniel Oshiro: Posso dizer que sim, o Hip Hop me mostrou um caminho que ninguém podia (ou tinha tempo) para ensinar. Com meus pais trabalhando e nenhum adulto por perto, restava pra todos nós escutar conselhos de estranhos. Foi nisso que o Rap entrou. O Hip Hop não evitou que eu fizesse coisas que eu me arrepende-se, mas me impos limites para que eu sempre pudesse sair são e salvo das enrascadas.
Ouvia o que o Rap dizia e pensava, “no Brasil as condições são mais dificeis. Se eles conseguem ter esperança e cabeça no lugar, eu também consigo”. Ouvia do SNJ “Se tu lutas, tu conquistas”, era uma esperança a mais que ninguém nunca havia me dado. O desinteresse e falta de apoio dos adultos sempre me fez desacreditar de mim mesmo. O rap levantou a auto-estima e me deu muitas opções.
Portal Webnews: Se não fosse o Hip hop onde você estaria?
Daniel Oshiro: Quem sabe? Não posso dizer ao certo, mas pode ter certeza que se não fosse por ele, eu estaria em uma vida totalmente diferente. A maioria dos meus amigos já foram presos, a algum tempo atrás tinhamos contato com os que nunca foram presos. Lembro que eram menos de 10. Talvez naquela época eu poderia ter sido preso por algum delito, me viciado em cristal como a maioria foi. Mas talvez hoje em dia poderia ter sido o maior problema.
A maioria das pessoas não sabem, mas de dois ou três atrás para hoje Hamamatsu mudou bastante. Os iranianos que controlavam o tráfico de drogas foram substituídos (à força) por brasileiros. Muitos viveram alguns meses apenas disso, alguns foram presos até por assassinato de um deles. Por isso eu realmente não sei o que poderia ter acontecido comigo. Quem sabe eu poderia ter pego oito anos de prisão como um amigo meu ou talvez ter tido um filho com 16 anos, como outros tantos.
Portal Webnews: Porque você acha que os jovens se envolvem com o crime?
Daniel Oshiro: O que eu via, era diversão. Éramos “invenciveis” aquela época, não havia ninguém pra nos parar (a não ser a policia, que não era tão eficiente) e por isso faziamos mais e mais. Alguns tinham consciência e pararam, outros continuaram cometendo delitos cada vez mais graves.
Entre nós, era comum ver gente contando vantagem de uma ou outra “fita” que havia feito. Era uma questão de popularidade, de se destacar em meio a tantos. Dependia da cabeça de cada um e das companhias.
Portal Webnews: E com as drogas?
Daniel Oshiro: As drogas é talvez o mais polêmico. Nunca ninguém me disse pra não usar drogas. Nunca nenhum policial, assistente social, professor, pais ou qualquer adulto responsável chegou pra mim e me explicou o porque as drogas faziam mal.
Posso afirmar que nenhuma de nós usou drogas para “fugir da realidade” ou algo do tipo. Usar drogas por estar triste não foi nosso motivo. Era uma confraternização, sair com os amigos, bagunçar, etc.
Diferente do que muitos pensam, nunca incentivavam os não-usuários a usar. Era um tipo de ética. Mas muitos fazia voluntariamente por curiosidade ou fazer parte do grupo.
Portal Webnews: E para quem já entrou, qual é a saída?
Daniel Oshiro: É querer sair, simplesmente. A maioria não tenta por não saber o mal que faz e quando já faz mal o suficiente, já não consegue raciocinar pra isso.
O apoio dos pais é essencial, muitos abandonam os filhos ou ignoram os problemas nas horas mais graves. Escolher as amizades também é importante. Aprendi que existem todos os tipos de amigos, pedir o apoio deles para sair do vicio é a maneira mais fácil.
Nesses anos de Japão, as pessoas mais preciosas pra mim são meus amigos. E tudo que construí até hoje foi com ajuda deles. Mesmo ouvindo todos os dias críticas e ofensas dos meus pais para meus amigos, é por causa deles, e não dos meus pais, que tenho vontade de mudar as coisas.
Portal Webnews: Como podemos ajudar os menores a não entrarem nessa?
Daniel Oshiro: Basicamente é só não deixa-los sozinhos. Crianças não sabem o que fazem, se soubessem não seriam crianças. Elas precisam de conselhos, apoio, conversa.
De que adianta um pai bater no filho depois que ele foi detido por usar drogas? Só aumenta a revolta e faz ele voltar aos amigos para pedir apoio, normalmente amigos que também usam. O que os “adultos” não entendem é que se em casa não existe uma familia formada, os jovem forma uma familia na rua. E depois disso, cada um da sua vida pela sua familia e é claro que a “familia” que esta em casa, torna-se cada vez menos importante.
Portal Webnews: Para terminar, cite os grupos de rap que você mais gosta.
Daniel Oshiro: Foram muitos, cada um representou uma época. Mas fazendo uma lista dos que se destacaram em minha vida foram:
SNJ, com “Se tu lutas, tu conquistas”, Sabotage com “Um bom lugar”, Racionais com “Tô ouvindo alguém me chamar”, MV Bill com “Declaração de Guerra”, Kamau com “Poesia de Concreto”, Realidade Cruel com “Vale da Escuridão”. Entre outros que marcaram épocas da minha vida.
Um comentário:
Que legal, minha entrevista por aqui! :) Acho que a original nem esta no ar! :)
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