Em homenagem ao Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro no Brasil, a Real apresenta “Dita”, uma história de vida e luta
Tâmara Oliveira
Novembro 2010
Aos sete anos de idade ela foi humilhada pelo segurança do Jockey Club de sua cidade por estar apenas na porta observando a dita high society entrar no local para um baile de carnaval: “Isso aqui não é lugar para uma crioula pobre como você!”
Aos 12, recebeu um “conselho” do diretor da escola na qual estudava. “Benedita, você ja sabe ler e escrever, é melhor tirar esse tempo que você vem para escola para trabalhar em alguma casa de familia, afinal você é preta e pobre, para que tanto estudo?” Como consolo, o diretor ofereceu a própria casa para a pobre menina trabalhar.
Ela aceitou a oferta e dividia seu tempo trabalhando como empregada doméstica, ajudando seu pai a vender pipoca nas ruas de Paracatu, interior de Minas Gerais, e exercendo a “profissão” que mais gostava: a de aluna da Escola Estadual Antônio Carlos. “Passava a madrugada estudando à luz de velas, esse era o único tempo que eu tinha para estudar”, recorda.
A Benedita citada acima não é nenhuma personagem criada pelo autor de novelas Gilberto Braga, mas sim uma mulher de carne e osso, Benedita Gouveia Damasceno Simonetti, escritora e funcionária do Itamaraty, em Brasília, que passou por poucas e boas na chamada escola da vida.
Desde cedo no batente
Nascida em Paracatu, filha de Cenira de Oliveira Damasceno e José Gouveia Damasceno, funcionário do Departamento de Estradas e Rodagens, que completava a baixa renda familiar vendendo pipocas, Dita (como é carinhosamente chamada pelos amigos) desde muito nova foi obrigada a pegar no batente. “Éramos uma família grande, 10 filhos (oito mulheres e dois homens), praticamente sem recursos financeiros”, relembra ela, que aos sete anos começou a ajudar o pai na carrocinha de pipoca. “Ele fazia a pipoca, eu enchia os saquinhos e fazia o troco”, conta.
A filha de seu “Zé Pipoqueiro” também teve outras árduas ocupações: vendeu pastéis em campo de futebol, doces pelas ruas da cidade com tabuleiro na cabeça, foi babá, capinou quintal por empreitada... “Fazia tudo isso, mas sempre com um pensamento fixo: não era nada daquilo que eu gostaria de fazer a vida inteira. Cedo percebi que havia apenas uma maneira para sair dali e essa estrada passava pelos estudos e pelo saber”, frisou Benedita, que sempre teve um alto grau de comprometimento com os estudos e seus objetivos.
O esforço pessoal da ex-empregada doméstica pôde ser comprovado quando ela saiu de sua terra natal, em 1972, para cursar Letras na Universidade de Brasília (UnB), uma das mais conceituadas do Brasil. Em 1976 foi admitida como Oficial de Chancelaria do Serviço Exterior no Ministério das Relações Exteriores, após ser aprovada em um acirrado concurso público.
Como escritora, teve seu livro “Poesia Negra no Modernismo Brasileiro” (Editora Pontes) traduzido para o italiano, francês e espanhol. No lançamento da versão francesa, que aconteceu no A I´Espace Harmattan, em Paris, além da presença maciça de intelectuais e estudantes das mais diferentes nacionalidades, o evento contou com a presença do consagrado escritor brasileiro Luis Fernando Verissimo.
Negros em destaque
Bem aceito e muito discutido em algumas instituições de ensino superior em países como Itália, França e Espanha, “Poesia Negra no Modernismo Brasileiro” não é um romance, mas uma pesquisa feita pela autora durante seu curso de Mestrado na Universidade de Brasilia (Unb). “É uma outra visão do papel do negro na cultura brasileira, não é mais restrita ao samba, carnaval e candomblé. O livro é um exemplo de que os negros brasileiros estão pouco a pouco deixando de ser apenas objetos de pesquisa e estão começando a ser sujeitos do seu próprio universo”, explica a autora.
Casada com o cineasta italiano Giuliano Simonetti (a recepção do casamento, por ironia, aconteceu no próprio Jockey Club de Paracatu!), mãe de Lara (19 anos) e Lory (15), Benedita já morou nos mais distintos países representando o Brasil: Angola, Itália, Jamaica, Nigéria, Guatemala e Inglaterra. Neste último, além de ocupar o cargo de Oficial de Chancelaria na Embaixada do Brasil em Londres, lecionou vários cursos sobre a História do Negro no Brasil no extinto Brazilian Contemporary Arts London. Depois de muitos anos no exterior, ela retornou à sede do Itamaraty, em Brasília.
“Nunca fomos ricos, mas sempre tivemos conforto. Minha mãe sempre nos incentivou a estudar e a ler, em nossa casa sempre tivemos e temos muitos livros. A curiosidade sempre se fez presente em nossas vidas porque minha mãe sempre incentivou a mim e a minha irmã a procurar formas de respostas para nossas dúvidas”, diz Lara, filha mais velha que atualmente cursa o último ano de Direito na Universidade de Oxford.
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