segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Cracatoa Simplesmente Sumiu

O aspirante a eremita
Posted: 08 Nov 2008 08:58 AM CST
Agora, não para sempre, eu sou o aspirante a eremita na porta da caverna, no limite entre o sol e a sombra. Mantive a esperança de não mudar enquanto pude e chegou a hora de desfazer qualquer ilusão. Sem carinho de mulher, sem sexo de fêmea, sem nada, é o momento de recolher-me um tanto. Não pode restar-me nem a inveja daqueles que nesse instante celebram a vida.
Sinto-me ultrajado sem ter sido, por isso ultrajo-me, na verdade, a mim mesmo. Sujo-me na lama que eu mesmo criei com lágrima e terra. Ofendi quem amava e é assim que, mais das vezes, se ofende. Nunca ouvi falar de desditas duradouras e dolorosas a totais desconhecidos. Por isso, cheguei a buscar o abraço da amiga e ela não me ouviu. Seus ouvidos estão longe. De minhas lamúrias e de qualquer possibilidade amistosa sequer. Meu ferrão, agressivo, voltou-se contra mim.
Preciso buscar a profundidade sombria da caverna. Preciso encontrar o que há de escondido nessas paredes, a história secreta de meus passos contada em desenhos que eu nem lembro ter feito. Algo que me explique como cheguei aqui e que me aponte para onde ir.
A busca do meu próprio perdão é o meu maior empreendimento. Andar sem me cortar na própria lâmina que deveria me proteger, minha meta. Mas ainda surpreendo-me com algumas fontes de sangue, cortes fininhos, que não matam, mas incomodam e sujam a roupa branca de sutil hemorragia.
Escrevo minha história com uma caneta e meu pau, numa busca infinita do que me complete, como se completo já não fosse. Com a caneta tento sair o para o mundo e com meu pau tento entrar em outros mundos. Falta-me saber - saber mesmo, não apenas em palavras - que já estou no mundo. Acho que essa é a fonte de meus maiores e mais terríveis defeitos.
Tenho essa urgência inútil e inacabada de ser o maior amor da vida de uma mulher e acabar sendo o maior amor da vida de todas que passaram pela minha e elas acabarem todas como os maiores de minha vida. Mas bastava uma. Tenho uma necessidade doentia de amar e ser amado, quando amar e ser amado não deveriam ser necessidades, porém apenas algo que flui como a água da chuva que busca a terra e, na terra, encontra as raízes. Por isso carrego comigo os cadáveres de amores que matei e, mais triste, os que deixei morrer. Acho difícil ser homem ou mulher sem carregar alguns. Porém, gostaria que descansassem em paz, eles, os amores.
O mundo agora é tão cheio de possibilidades que a liberdade assusta. A liberdade sempre assusta embora todos a busquem mesmo sem saber o que é essa abstração. Conhece-se apenas o medo e a euforia que ela provoca. A liberdade é uma queda livre, mas as nuvens não permitem ver onde está o chão ou mesmo se existe o chão. Pode ser que um impacto pare seu corpo ou pode ser que não. A liberdade é a incerteza do próprio fim da liberdade, como uma serpente a devorar a própria cauda.
Por isso estou na porta desta caverna. Para me prender um pouco, enclausurar-me pelo menos por alguns instantes. Mas mesmo isso é uma escolha e, por ser escolha, é livre.
Fechado na escuridão, descobrirei meu caminho. Sinto-me cansado, doente e com 99 anos de idade, mas sei que em algum lugar aqui há uma criança a querer voltar a superfície. Ela vai voltar. Estou no extremo do mundo. Mas no extremo sul, todas as direções são norte. E no extremo norte, todas as direções são sul. Só tenho, portanto, um lado para ir. E irei. Daqui a pouco.
O aspirante a eremita

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